Nasceu uma criança
Nasceu uma criança
Era uma vez um homem e uma mulher.
Ele era um operário.
Ela era uma operária.
Tiveram que ir à cidade. Foram a pé. Levavam nas suas mãos a magra comida de uma ceia.
Partiram.
A mulher estava para parir. Ia amparada no braço do homem.
Sozinhos caminham pela tarde de um dia sereno.
Era noite quando chegaram, derreados e cansados, à cidade. Era longe a cidade e as pernas curtas.
Procuraram onde passar a noite. Bateram a todas as portas, em vão, não encontraram.
A mulher, cada vez mais cansada, caía aqui, acolá, ali e mais além.
O homem, desesperado, ganha ânimo e caminha.
Tinha que haver uma porta, uma única, que se lhes abrisse.
E apareceu. O cansaço fez-se descanso numa obra em construção. Como ladrões entraram. Como invasores abriram o seu saquitel de onde tiraram o seu magro sustento – pão, queijo e figos.
O cansaço encostou-os às paredes húmidas em construção e logo adormeceram.
Já dormiam na noite escura quando a mulher sentiu que o seu bebé, sangue do seu sangue, iria nascer ali.
Ali, naquele prédio em construção, tendo como luz, apenas, a luz das estrelas distantes.
O bebé nasceu, deu um grito, estava vivo.
Uma criaturinha filha de um operário e de uma operária, de um homem e de uma mulher. Embalada num carrinho, sacos de cimento por colchão e o manto do pai e da mãe por agasalho.
É uma criatura humana, como outra nascida de um homem e de uma mulher. Que virará ser humano como um outro qualquer.
E a noite fazia-se dia.
O homem, a mulher, e a criança já partiram. Já caminhavam pela cidade à fazer a sua vida.
Anoitecia quando chegaram a casa.
E os dias e as noites sucediam-se, até que a criança se fez adulta.
Adulta que sabia qual iria ser o seu futuro.
Adulta que conhecia a vida dos outros.
Adulta que se juntou a outras pessoas adultas.
Pessoas adultas que unidas acreditam que até as pedras darão pão para que todos o tenham.
Incrédulas, muitas pessoas insultavam-nos de ofenderem a lei dos homens e a lei de Deus.
Aquelas pessoas adultas teimavam, e teimavam chamando por todas as pessoas.
Muitas foram as que as seguiram. E começaram a acreditar.
Os dias, as semanas, os meses e os anos iam passando, e o número de pessoas aumentava.
Já eram tantas que os poderosos de várias nações, de diversas religiões, de diferentes culturas se sentiram ameaçados.
Todos eles se uniam para destruir aquela força nascente.
Inventaram calúnias. Diziam que falavam em nome das forças do mal. Que pretendiam acabar com os privilégios dos seus superiores. Que queriam roubar o pão para o repartirem por todos.
As calúnias, os discursos mentirosos, tantas vezes repetidas levaram algumas pessoas a debandarem. Muitas delas traíram a nova esperança que se erguia.
E um dia, covardemente, mataram numa cruz, aquela criança que um dia nascera num colchão de sacos de cimento.
Hoje esperamos o dia, em que aquele nascimento igual a tantos outros, não passe de uma memória. Em que as crianças, e os homens e as mulheres não acreditem que houve dias assim.
Então, nesses tempos que virão um dia, será Natal.
Zé Onofre