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Notas à margem

Textos escritos em cadernos, em guardanapos, em folhas encontradas ao acaso, sempre a propósito, nunca de propósito. isto é "vou escrever sobre isto". Não é assim que funciono.

Textos escritos em cadernos, em guardanapos, em folhas encontradas ao acaso, sempre a propósito, nunca de propósito. isto é "vou escrever sobre isto". Não é assim que funciono.

Notas à margem

17
Nov21

Por aqui e por ali 7

Zé Onofre

            7  

 

S/d

 

Por favor!

Grita uma voz desesperada

No silêncio das pedras.

 

Por favor!

Ouve-se nas trevas

Silêncios do desespero.

                                                                                                                                                                                      

Por favor!

Por favor!

   Zé Onofre

 

 

 

 

 

13
Nov21

Por aqui e por ali 6

Zé Onofre

                 6

 

1981/02/23, Gouveia – MCN

 

Vá!

Gritai-me as palavras

Com que se fazem os sonhos.

 

Vá!

Gritai-me as palavras

Com que se constroem mundos novos.

 

 Vá!

Gritai-me as palavras

Com que se enfurece o mar.

 

Dizei-me, nem que seja em murmúrios,

A vida serena

Do sol a cantar.

 

Dizei-me por favor,

A poesia de uma noite,

Mesmo que não tenha luar, nem estrelas,

Que seja só de sombras e trevas.

 

Gritai-mas,

Dizei-mas,

Vós as sabeis.

 

Um dia não veio à escola,

Ficou em casa

A fazer bagaço.

Quem me disse que ele era criança?

 

No primeiro dia de aulas

Não veio à escola,

Ficou em casa a trabalhar.

Com que direito o avaliaremos negativamente?

 

Queria ter um laço vermelho,

Grito de alegria

Na cabeça a sorrir.

 

Queria usar palavras sinceras,

Gritos de luz

Na boca a sorrir.

 

Queria ter palavras misteriosas,

Sons e cores da vida a começar.

Zé Onofre

08
Nov21

Por aqui e por ali 5

Zé Onofre

               5

 

980/12/11, Gouveia, MCN

 

Senhor professor,

Creio em si,

Gosto de si,

Mas aborrece-me tanto!

Despeja palavras,

Palavras, palavras

Sobre os meus ouvidos.

Pobres ouvidos,

Os meus.

Ontem,

Por exemplo ontem,

Falei-lhe …

Falei-lhe das minhas galinhas

Que comem milho,

Que põem ovos …

E do galo

Que canta ao amanhecer.

Falei-lhe…

Falei-lhe do meu porco 

Que engordou no Verão

E hoje está morto.

 

Não te dão o pão

Que te roubam

No dia-a-dia.

Não te cobrem o frio,

Nem te aliviam o calor

Que padeces

De sol-a-sol.

Não te ensinam

A vida

Que te sugam sem parar.

De real,

Nem o sonho

Te permitem.

Apenas,

Apenas te oferecem

Ilusões.

Mastigas,

Nas chicletes

A fome

 Por matar.

  Zé Onofre

03
Nov21

Daqui e por ali 4

Zé Onofre

4
Gouveia, 1981/01/07

A minha escola tem
Professores,
Meninos,
Meninas.
Os professores são muito bons
Muito, muito bonitos.
Os meninos e as meninas
Também são.
Eu gosto muito da minha escola.

O recreio da minha escola
Tem um muro a toda a volta,
Pedras,
Muitas pedras no alto,
Tem, também,
Lama no Inverno.
O recreio da escola
É pequeno para brincar.

Zé Onofre

01
Nov21

Daqui e por ali 2

Zé Onofre

                    2

 

1979/11/14

 

Mulher

Nossa irmã

Companheira.

Fizemos-te

Objeto,

Adorno,

Enfeite,

Propriedade,

Jarra florida.

Mãe,

Esposa,

Amante.

Mulher,

Minha irmã

Companheira.

Mulher,

Cidadã.

 

Só,

Emoldurada numa casa,

Abandonada,

Retirada da vida.

Roubamos-te a vida

A ti

Que dás a vida.

Roubamos-te a existência,

Tu

Que és existência.

Proibimos-te

A vida,

O ser,

O existir.

Amarramos-te,

Tu

Que és a liberdade.

Mulher

Não és sacrifício,

És cidadã.

 

Isolada,

 Fantasma  do passado,

Medo,

Sacrifício,

Recusa,

Abandono,

Doação.

Mulher

És cidadã.

Mulher,

Minha irmã,

Companheira.

 

Lixeira,

Essa solidão em que vives.

Lixeira,

Essa distância em que ficas.

Lixeira,

Essa lonjura do mundo.

Lixeira,

Esse fundo com que te confundes.

Lixeira,

Essa jarra que maquinalmente arranjas.

Lixeira,

A espera que fazes todos os dias.

Lixeira,

Esse tempo que vives adormecida.

Lixeira,

O desinteresse com que te entregas.

Lixeira,

Essa tua voz conformada.

Lixeira,

A cabeça que manténs baixa.

Lixeira,

A tua humanidade ofendida.

Lixeira,

A humilhação a que te sujeitamos.

Lixeira,

A tua vida de sujeição.

 

Flor

Serás, um dia.

Tu mesma,

Plena,

Humanizada.

Mulher,

Flor

Serás, amanhã.

  Zé Onofre