Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Notas à margem

Textos escritos em cadernos, em guardanapos, em folhas encontradas ao acaso, sempre a propósito, nunca de propósito. isto é "vou escrever sobre isto". Não é assim que funciono.

Textos escritos em cadernos, em guardanapos, em folhas encontradas ao acaso, sempre a propósito, nunca de propósito. isto é "vou escrever sobre isto". Não é assim que funciono.

Notas à margem

14
Abr22

Por aqui e por ali 93

Zé Onofre

              93

 

996/02/16

 

A angústia nasce, não desta incerteza que vivemos.

A angústia nasce, não desta mágoa que a todos magoa.

A Angústia nasce “por ‘mor das incertezas

Do até quanto mais será preciso para dizer – Acabou.

A angústia nasce deste viver suspenso

Que os dias ainda nos reservam.

A angústia nasce deste aperto que nos cerca.

A angústia nasce de não sabermos até quando.

A angústia nasce do não sabermos quanto mais

Será preciso para nos unirmos e gritarmos – Acabou.

A angústia nasce deste viver suspenso

E de não sabermos se resta força para dizermos –Acabou.

Zé Onofre

13
Abr22

Por aqui e por ali 92

Zé Onofre

              92

 

996/02/12, encontro do SPN, CMA, Amarante

 

Está na hora

De olhar o horizonte

E descobrir mais além.

 

Está na hora

De deixarmos de ser comparsas activos

Na destruição do nosso melhor,

A Utopia.

 

Está na hora

De acabar com as negociações,

O futuro não se negoceia,

Cumpre-se

 

Está na hora

De mudar o rumo,

Não de remendar caminhos,

Que está visto não é o caminho.

 

Está na hora

De exigirmos mais e melhor.

De gritarmos bem alto –

Esta não é a escola que respeita os alunos.

Esta não é a escola que satisfaz os pais.

Esta não é a escola que dignifica os professores.

Esta não é a escola que constrói futuros.

Esta é a escola dos sonhos desperdiçados.

 

Está na hora

De edificarmos uma escola nova

E não de nos acomodarmos –

Em opiadas discussões de estatutos e escalões.

E não de negociar os escombros

Da escola que resta.

 

Está na hora

De pensar, escutar e olhar,

De não mais sermos tratados como regateiros

A discutir o preço do linguado.

 

Está na hora

De assumir a nossa dignidade.

Dignidade que não se conquista

Com discussões estéreis

Que nos roubam argumentos

E destroem o orgulho que ainda nos resta,

 

A dignidade conquista-se

Com a exigência de uma escola,

Crítica, experimental e não seguidista

Dos ditames de uma sociedade

Que tudo reduz ao sucesso dos cifrões,

E principalmente aos bens consumidos.

 

A dignidade conquista-se

Com a recusa da escola armazéns de matéria-prima

De meninos com que se fazem chouriços.

Os que não são perfeitos são excluídos

Lançados à máquina do lixo,

Farinha para engorda dos barões da droga.

 

A dignidade conquista-se

Exigindo-se condições

Onde cada um seja cada um

E não a redução ao tipo médio.

 

A dignidade conquista-se

Com a recusa das condições desumanas

De ritmos arbitrários que tudo reduzem

Ao Máximo Divisor Comum.

 

A dignidade conquista-se

Com a recusa da escola sardinha em lata.

Com a recusa da escola-cidade

Onde os professores não conhecem o vizinho do lado,

Quanto mais os habitantes da rua, os alunos.

 

A dignidade conquista-se

Exigindo uma escola que não mais seja

Quatro paredes recheadas de mobiliário

Do mais sofisticado que haja,

Ao mais antiquado e artesanal,

Quadro preto, giz e cuspe.

 

A dignidade conquista-se

Ajudando a construir uma escola,

Onde todos os que lá trabalham

Se despeçam “até amanhã”

Como quem espera o beijo da mãe,

O encontro ansiado com o amigo,

O abraço apertado dos enamorados,

Ou apenas a terra onde “corre o leite e o mel.”

 

A dignidade conquista-se

Vendo “claramente visto” que o rei vai nu.

 

A escola vai nua porque diz –

Sou para todos –

Mas só se o for na rejeição dos inadaptados.

 – Sou obrigatória durante nove anos –

E limita-se a burocratizar pessoas,

A reduzir a estatísticas os alunos.

 

Está na hora

De termos coragem de enfrentar os alunos,

Dizer-lhes, como quem pede perdão,

Tendes razão, abrimos os olhos tarde.

De termos coragem de enfrentar os pais,

Dizer-lhe como quem reconhece uma culpa,

Tendes razão em não confiardes totalmente na escola.

De termos coragem de enfrentar o ministro

E dizer-lhes com toda a clareza necessária,

Este não é o momento para esta discussão.

O problema está para além de estatutos.

O problema está para além das carreiras.

O problema está para além dos escalões.

O problema está para além de mais ou menos tostões.

 

Está na hora

De encararmos os alunos, olhos nos olhos,

E pedir perdão por cada vez que gritaram,

Como quem pede socorro, e nós os calamos.

E pedir-lhes perdão por cada vez que nos chamaram,

E altivamente nem para eles, olhamos.

Perdão por todas as vezes que se atravessaram,

De propósito nos nossos caminhos, e prosseguimos

Altivamente em frente e com a nossa pressa

Vos Arredámos não sabemos para onde.

 

Por favor,

Não mos julgueis com muita severidade.

Tal como vós chamamos e ninguém nos responde,

Apenas um eco repete e distorce até o infinito

O nosso repetido e sentido apelo.

Tal como vós nos sentimos esmagados e trucidados

Por esta escola cega, surda e muda.

 

Vamos então fazer um pacto –

Vamos ajudar-nos mutuamente.

Olhai para nós, não como carrascos,

Mas como amigos.

Olhai para nós, não como iluminados,

Mas tateantes a fazer o caminho.

Olhai para nós não como carcereiros,

Das vossas alegrias e angústias,

Mas como uma janela

Onde vos podeis debruçar

À procura do horizonte.

Olhai para nós

Como seres que entre o medo de errar,

E as certezas de não nos enganarmos,

Vivemos entre horrores e alegrias.

Finalmente, olhai para nós e vede

Que somos pessoas, apenas pessoas,

Como todas as pessoas sujeitas a erro.

 

Pais, também convosco, queremos fazer um pacto.

Antes, porém, julgai-nos com benevolência.

É certo que nem sempre nos entendemos,

E ajudemo-nos na jornada dos vossos filhos.

Ajudai os vossos filhos a descobrir a felicidade

Da descoberta e da conquista.

Não tenhais pressa que os vossos filhos

Tenham tudo, deixai algo, o mais importante,

Para ser a conquista deles.

Deixai que sejam eles a chegar mais longe,

Nem que apenas o mais longe seja ali,

Sim, ali no fim da rua, ao virar da esquina.

 

Senhor ministro,

Por agora prometemos exigir, apenas, esta escola.

 – Pequena,

Onde todos se conheçam pelo nome próprio,

E não pelo terror do quinto E,

Ou pelo filho do João da Esquina,

Ou a s’tora, a fera da matemática.

– Espaçosa,

Onde cada um tenha direito à sua privacidade,

Não se sentir invadido pelos outros.

 – Rica,

Em espaços diferenciados,

Em actividades alternativas,

Que proporcionem a cada um

A realização do ser humano

Em busca da felicidade.

– Exigente

Na crítica e autocrítica,

Nos comportamentos e atitudes,

De cada uma das pessoas que lhe dão corpo.

 

Depois, então, falaremos de remunerações. 

Zé Onofre

12
Abr22

Por aqui e por ali 91

Zé Onofre

              91

 

Livração sem data e sem lugar. O tempo e o lugar é estarmos com os amigos onde eles estiverem

 

Amigo Alexandrino

 

A ver se sossego, o desassossego que me toma ao passar frente à casa dos teus pais.

A ver se a saudade dos tempos, em que o tempo era feito com as nossas mãos, não se esvai pela névoa da distância que o tempo aumenta.

A ver se o fogo sagrado se não apaga de vez e continua em chama no recôndito dos dias que passam.

A ver se resistimos, ainda e sempre, à monotonia de um tempo, este, que pretende esmagar o sonho, a magia e as noites de luar.

Principalmente para dar um abraço sentido ao amigo ausente, sempre presente.

Para te enviar o que inopinadamente li numa noite de recordações e emoções fortes.

Não fora a ocasião, que foi, e nunca me atreveria a ler o que li e nunca prometeria o que prometi.

Cada linha que escrevo tem o sentido de mim mesmo. Não é muito do meu agrado andar a expor-me em público. Mas o prometido é devido.

Aí vão. Usa-as apenas para ti, como saudade de um tempo que esperamos reviver um dia.

Zé Onofre

996/01/05, Amarante, confeitaria Mário

 Zé Onofre

11
Abr22

Por aqui e por ali 89

Zé Onofre

               89, medo do diferente

 

995/05/21

 

Era uma noite escura sem luar.

Cansado de longa caminhada

Vê, no alto do monte instalada,

Silhueta desconforme, invulgar.

 

Por um momento pensa recuar.

A razão diz-lhe – não é nada.

Co’ a coragem destroçada,

Pêlo em pé, retoma o caminhar.

 

De punho erguido, arma inconsequente,

Para tal monstro aniquilar,

Vai-se a ele, tremendo, violentamente.

 

Pára. Uma voz – não deixes o medo mandar.

Pensa um segundo serenamente.

Deixa ao menos nascer o luar.

07
Abr22

Por aqui e por ali 88

Zé Onofre

              88

 

995/03/20, acção de formação – Educação Física, Marco de canaveses

 

Jogar

Com palavras,

Com sonhos,

Com brincadeiras

Apenas de brincar

 

Sonhar palavras

Como quem semeia ilusões.

Fazer de conta

Que se é criança ainda e sempre.

 

Bola de trapos

Retrato possível do passado.

Luz, som,

Imagem invenção

De corpos em desalinho,

A saltar,

A correr,

Memória-vida

Vivida ao amanhecer.

Zé Onofre

 

 

07
Abr22

Por aqui e por ali 87

Zé Onofre

87

 

995/03/16, Acão de formação – Educação Física – Marco de canaveses

 

No início é a meia e o trapo.

Depois nasce o objecto.

Mais ou menos redondo,

Mais ou menos macio,

De certeza

Afectivo.

 

Lançar e agarrar.

Não deixar cair

Do que gostamos,

Agarrar

Junto ao coração.

 

Agarrar com amor

Para não machucar

O objecto do nosso carinho.

Zé Onofre

 

06
Abr22

Por aqui e por ali 86

Zé Onofre

                  86

 

995/03/15

 

Imagens e sons de amor.

Palavras

Que falam de carinho, de amizade,

Da alegria das coisas simples,

Da alegria

De dar vida à nossa vida.

 

Palavras

Que falam do desperdício,

Que são os sonhos perdidos

No supérfluo.

 

Gestos simples,

Canções simples,

Palavras simples,

Dar vida à vida

Com a nossa vida.

 

Construir o sonho

Com mãos vazias.

Tão simples.

Tão belo.

  Zé Onofre

04
Abr22

Por aqui e por ali 84

Zé Onofre

                    84

 

 995/02/20

 

Só,

Ou em revoadas,

Ave desaninhada,

À procura …

 

O ninho onde está?

 

E importa o ninho

Quando o caminho é belo?

 

E importará o caminho,

Se é agreste,

E não vale a pena?

 

Só,

Ou em revoadas,

Ave desgarrada

À procura 

Do tudo,

Ou do nada.

Somente à procura.

 Zé Onofre

 

 

 

Somente à procura …