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Notas à margem

Textos escritos em cadernos, em guardanapos, em folhas encontradas ao acaso, sempre a propósito, nunca de propósito. isto é "vou escrever sobre isto". Não é assim que funciono.

Textos escritos em cadernos, em guardanapos, em folhas encontradas ao acaso, sempre a propósito, nunca de propósito. isto é "vou escrever sobre isto". Não é assim que funciono.

Notas à margem

31
Out22

Canto triste II

Zé Onofre

Canto triste II

 

022/10/12

 

Amigo

Tão perdido no vento

Por esses caminhos do desalento.

Porque desperdiças o tempo

E não o somas ao de alguém.

 

Em cidades

Em vilas e aldeias

Porque passas sem olhar bem

Não saberás que há outros à tua beira

Que sofrem também.

 

Vê que

Vê que se ficas só

Não irás a qualquer parte.

Deixa que os sonhos dos outros

Sejam os teus sonhos também.

  Zé Onofre

31
Out22

Histórias de A a Z para aprender a ler e escrever - Livro I - Joana

Zé Onofre

Joana

JOANA (2).jpg

Aquele dia amanhecera diferente.

Joana acordara

Antes do beijo

Da mãe, seu doce despertador.

 

Contudo,

Deixou-se ficar no quente

À espera da carícia matinal

Da mãe.

 

O tempo passava,

A mãe demorava

Joana enrolava-se

E virava-se na cama.

 

Cansada de esperar

Ouviu-se a chamar

- Mãe, ó mãe, mãe!

O silêncio como resposta.

 

Estendeu a mão

Pegou no livro,

Para logo de seguida o pousar,

Não eram horas de ler.

 

Ergueu-se,

Foi até à janela,

Que limpou

Do embaciado da noite.

 

Desligada de tudo

Lentamente apercebeu-se

Da vida lá fora.

Pessoas que compassadamente

Iam e vinham

Um automóvel solitário

E a fechar o cortejo

O roncar de uma motorizada,

Uma Pachancho de certeza.

 

A janela precisou

De ser limpo mais uma vez.

Joana olhou mais longe.

O ribeirito era um mar.

 

A espuma escorria nas vidraças

Enquanto as ondas

Batiam lá em baixo

Nas paredes da casa.

Parado,

A um braço da janela

Um veleiro

Com velas de luar.

 

Joana esfregou os olhos.

Encostou de novo o nariz à janela.

O campo verde

Era agora uma pradaria.

Cavalos selvagens

Corriam como vento,

Numa manhã suave de Abril

Enquanto as éguas, maternais,

Deixavam os potros mamar.

 

Joana,

Encantada com o que via,

Esfregou os olhos,

Certamente estava a delirar.

E a mãe que tanto se demorava.

 

Encostou o nariz à janela.

O que era aquilo.

Que acontecera ao sobreiro grande?

Lá, onde ele estivera,

Descolavam e aterravam aviões.

Sombras apressadas

Entravam para longas viagens,

Ou chegavam de longas paragens.

 

Enfim veio a mãe da Joana. 

A magia da janela terminou.

Joana desejou

Que todas as manhãs futuras

Fossem como aquele amanhecer.

Pela janela do seu quarto

Ver paisagens de enlouquecer. 

  Zé Onofre

30
Out22

Canto triste I

Zé Onofre

   Canto triste I

 

022/10/10

 

Pergunto aos jovens cantores

Que me dizem sobre o meu país?

Só os ouço em cantigas de amores

Uns são tristes, um outro quase feliz.

 

Mas sentados à mesa do café

Ouvem-se sussurros de desilusão.

Mas estes sussurros, saiba-se lá porquê,

Não são tema nem para uma canção.

 

Parece que os dias tristes trazem

Um amargo de boca aos cantores.

Será que quem futuro não tem

Merece só canções de frívolos amores?

    Zé Onofre

29
Out22

Histórias de A a Z para aprender a ler e a escrever - Livro I - Os socos da Sónia

Zé Onofre

Os socos da Sónia

SÒNIA E OS SOCOS.jpg

 

 

 

Sónia,

Por motivos de necessidade,

Passou uns dias com os avós

Bem longe da cidade.

 

Sónia conhece

A aldeia dos pais

Apenas de dia de festa

E, claro, pelos natais.

 

Estranhava

Os caminhos.

Arrastavam-se sós

Até às casas,

Plantadas em tapetes verdes,

Ou suspensas dos ramos das árvores

E do azul do céu.

   

Da janela

Observava espantada

O que lá fora se passava.

Nos caminhos solitários,

Nem um chiar de travões.

 

Ouvia-se

Um chiar de carro de bois ao longe

Um raro som de tractor,

Ou uma voz

Que subia da rua

E os avós como estão?

 

Coisa estranha,

As pessoas iam e vinham

Pelos caminhos

Centradas no ontem,

Ou no amanhã,

E os pés levavam-nas,

Sem engano,

Aos seus destinos.

    

Via a vida acontecer

E ela a vê-la da bancada.

Um dia saltou da cama,

Passou a correr

Pelos avós.

Vou fazer uma caminhada

E foi.

 

Nem ouviu o aviso do avô.

Toma atenção por onde vais,

Para não te perderes

Por esses campos ou montes.

Olha por onde vais,

Para saberes voltar.

 

Já ia longe

Pisava a erva verde,

Saltava os fios de água,

Corria pelos carreiros dos montes

Atirava-se para um penedo

Estendido no meio do pinhal.

 

Deu-se conta

Que certamente estaria perdida,

Ou pelo menos louca de certeza.

Não sabia por onde regressar,

O que também não sabia

Era que o vento podia

Segredar aos ouvidos

Palavras tontas

Calça os socos certos.

 

Doidinha e perdida

Estou.

Agora socos,

Socos que não vira

E agora ali estão eles.

Uns, amarelos de sol poente,

Outros vermelhos, sangue ardente.

 

Calço uns e logo se vê.

Apenas diferem na cor,

Ambos servem para caminhar

Irei ter a algum lugar.

 

Calçou um soco amarelo

Apenas luz

De dia a acabar.

Calçou um soco vermelho

Viu-se

Como quem se mira ao espelho.

 

São os socos vermelhos

Pois então.

Não hesitou mais

E já tem os dois calçados

E num zás-trás

Ouviu o avô

Então, ainda aí estás?

18
Out22

Histórias de A a Z para aaprender aa ler e escrever - Livro I - BELA

Zé Onofre

Bela

BELA.jpg

 

 

Numa casa

no meio da floresta

vive uma menina

com o pai e mãe

mais a sua boneca.

 

A menina,

de seu nome Bela,

de rosto lindo

a dizer

com o nome dela,

brincava,

com a sua boneca de trapos

até a deixar tonta

ao jogo do faz de conta.

 

Agora....

És a gata borralheira

escrava da madrasta má

e das tuas irmãs.

 

Agora...

És a Bela adormecida

em tua cama de cristal

à espera do príncipe                                                    

Em seu cavalo real.

 

Agora...

És...

 

Com a boneca nos braços

a Bela adormeceu.

 

No meigo colo

de sua mãe.

 

Em sonhos continua

a vestir de sonhos

e formosura

a boneca de trapos

que abraça com ternura.

16
Out22

história para aprender a ler er eswcrever - Livro I - Gato falante

Zé Onofre

Gato falante

GATO FALANTE.jpg

 

Um dia a minha amiga Gorete

Contava com palavras sérias,

Daquelas que não aceitam dúvidas,

Que ia um dia para casa,

Só, pelo caminho do costume,

Quando viu, no meio da erva verde,

Uma bola branca e amarela.

 

Parou um momento, para respirar,

E continuo ainda mais séria.
Preparava-me eu para lhe dar um chuto.

Fiz-lhe ar com o pé,

Pois errei o alvo,

E lá do meio do manto verde

Uma voz diz

Má-má, má má …

 

Outra pausa.

Desta vez a Gorete

Tinha-se engasgado com a emoção.

Aninhei-me,

Peguei naquela coisa branca e amarela.

Fui surpreendida por uns olhos verdes

Piscos

Que me saltaram para o colo

A dizer.

Que bom, que bom.

Com a boca aberta,

Para libertar o espanto,

Pensei para mim mesma.

– É um gato falante.

 

Mais uma pausa,

Como se esperasse uma réplica

De nós, seus ouvintes,

Como nenhum de nós se atreveu,

Continuou, como se falasse com o gato.

– Eu levo-te ao colo,

Até ficava contigo,

Mas, para tristeza minha,

E azar teu

O meu pai não acha piada

A animais lá por casa.

 

Mais uns instantes de silêncio,

Parecia que se tinha perdido

E não sabia como continuar.  

Foi então que naquele instante

Me surgiu uma leve esperança.

– Talvez o meu pai te aceite,

Visto que és um gato falante.

Vamos lá dar às pernas

E acabar com esta agonia.

 

Naquele momento em que parou,

Para depois continuar,

Parecia que ouvíamos  

As suas pernas a correr

E o seu coração palpitar.

Cheguei a casa

Ia bater à porta

Porém, como que por magia,

A porta abriu-se.

Atrás dela o meu pai,

Que nem um beijo me deu.

Olhou para o meu colo.

– Isso é um gato!

 

Parou mais uma vez.

Víamo-la frente ao pai

A tremer sem saber o que dizer.

Uns segundos depois, em sua defesa.

Claro que é um gato,

Bem um gato não, um gatito

que aos outros não é igual.

Digo-lhe desde já,

Que é um gato falante.

 

Calou-se.

Ouvíamos o pai pensar

Enquanto tomava uma decisão.

Baixou-se

Para me dar um beijo e um abraço,

Disse-me segredando.

Se é assim um gato tão maravilhoso,

Que como os homens sabe falar

Entra lá com ele.

Ouve, pareceu-me miar.

 

A comoção

Deveria ter sido tanta

Que ao contar-nos este passo

Quase desmaiou.

Sabem o que aconteceu.

O gatito saltou-lhe para o colo

E como se fossem velhos conhecidos,

Enrolou-se como uma bola,

Branca e amarela, já vos tinha dito,

E começou

Ai que bom, ai que bom, …

 

Calou-se longamente.

Pensamos que tinha acabado,

Íamos começar a desandar.

Engano nosso

A Gorete tinha algo a acrescentar.

Se o meu gato fala

Será que pensa que eu mio?

15
Out22

Histórias para aprender a ler e a escrever - Livro I - NUNO

Zé Onofre

                                  Nuno

  NUNO.jpg

                                      

                                       

Lá vem o Nuno                                       

Olhos de espanto

Atentos a tudo

sempre irrequieto.

Lá vem o Nuno

dos sonhos impossíveis, sonhos que só ele tem,

capaz de uma só vez caminhar nas nuvens,

não só numa,

mas logo em três.

Lá vem o Nuno

génio das estrelas

de cana, jornal e cordel

capaz de subir

muito mais alto que elas.

Lá vem o Nuno

de olhos esbugalhados

vendo cair o céu

em brancos bocados.

Com a sua imaginação,

como o vento leve,

aduelas aos pés bem atadas

desliza sobre a neve.

Na sua alegria

aos ventos berra

que não escorrega na estrada

desce veloz

a encosta da serra.

Contudo, a doce ilusão

é engano breve,

de repente faz o pino

senta o cu na neve.

        Zé Onofre

 

13
Out22

Histórias para aprender a ler e a escrever - lIVRO I - O ramo de margharidasd

Zé Onofre

O ramo de margaridas

O RAMO DE MARGARIDAS.jpg

Era uma manhã clara de Primavera.

Naquele dia inusitado

Pais, tios e primos

Mais uma vez estavam em casa da avó.

Os primos

Não sabiam muito bem o porquê

Daquela reunião a meio da semana.

Se era Luto, se era Festa

Para eles tanto se lhes dava.

O bom era estarem ali

Mais um dia de aventuras.

 

Pais e tios entretidos

Em conversas acesas,

Ou a prepararem o almoço

Deixaram filhos e sobrinhos

Entregues aos cuidados

Das brincadeiras.

 

Chega a hora do comer

Horas de juntar as tropas.

O pelotão dos primos vem

Contrariado,

Deixara a brincadeira a meio.

 

Todos sentados à mesa

De talher em punho

Para começar o ataque.

É interrompido.

Pelo tio  

Que serve a criançada,

Onde estão a Rita e o Ricardo?

 

Começaram todos a chamar,

Enquanto procuravam

Nos sítios acostumados.

Mas nem os olhos os viam,

Nemos aos ouvidos

Chegava qualquer resposta.

“Oh meu deus”,

Grita a tia “aflita”,

Caíram os dois ao tanque,

Estão por lá afogados.”

 

Vai tudo num tropel

Escadas abaixo

A correr para a bica.

Ouve-se um som de alívio.

Mas onde se meteram os diabretes

Do Ricardo e da Rita?

 

Um tio mais calmo

Sobe por um caminho,

Por descargo de consciência,

Que por ali não era costume

Espalharem a brincadeira.

Sem esperança de os encontrar

Continuou a subir a ladeira

Para os encontrar de mãos dadas..

 

Primos à frente

Alegres e felizes.

Tio atrás

Com forçado ar sisudo,

Que a vontade era rir,

Tomaram o caminho da casa da avó.

 

Aqui estão os fugitivos

Diz o guardião à entrada do terreiro.

A tia “aflita”, agora descansada,

Pergunta-lhes com cara de tia pouco amiga.

Que andaram a fazer,

Não sabem da nossa aflição?

 

Rita e Ricardo

Nos seus inocentes anos de criança,

Ufanos da proeza

Estendem as mãozitas

Onde brilham mais que o sol primaveril

Um ramo de silvestres margaridas.

– São para as nossas mães!

12
Out22

Histórias para aprender a ler e a escrever - lIVRO i - Maria a rainha da mata voadora

Zé Onofre

Maria, a Rainha da Mota Voadora

MARIA A RAINHA DA MOTA VOADORA.jpg 1.jpg

 

Hoje não vos vou contar

Histórias de fadas

Ou contos de princesas encantadas

Muito menos contos de sonhar.

 

Hoje, vou-vos falar

De coisas de muito reais

Que me aconteceram  

E, certamente, aos pais dos vossos pais.

 

No tempo em que fui criança 

No mês de maio só uma ideia

Esperava ansioso que chegasse

O grande dia da Festa da aldeia.

 

Não ansiava pelos divertimentos

Comuns como carrocéis, aviões,

Carrinhos de choque ou qualquer

Uma das muitas outras diversões.

 

Não o que me trazia em pulgas

Era para ver, em “o poço da morte”,

Aqueles motociclistas endiabrados

Subindo as paredes fiados na sorte.

 

Porém, a maior e melhor artista,

Que fazia aumentar a emoção

Era Maria, que num arrojo sem igual,

Fazia a mota subir até nos tocar com a mão.

 

“Vejam Maria, a Rainha da Mota Voadora,

Desafiar a morte e a força da gravidade

Em quinze minutos de fazer arrepiar.”

Nunca um cartaz falara tanta verdade.

03
Out22

Histórias para aprender a ler e a escrever - Livro I - Vitória

Zé Onofre

Vitória

Vitória.jpg

 

Era uma vez uma menina.

Era uma vez uma vaca.

Vitória era o nome da menina.

Malhada se chamava a vaca.  

 

No verão Vitória levava

A vaca para o campo pastar.

A malhada no campo ficava

Até a Vitória a ir buscar.

                  

Um dia Malhada, a vaca,

Parece estar ainda travada.

A cada momento estaca.

Vitória, a menina, fica arreliada.

 

Vamos, Malhada, vaca bela.  

Mexe-te, que moleza é essa?

Dizia a Vitória, chegando-se a ela.

Move as pernas mais depressa.

 

A Malhada parecia não ouvir,

Continuava a passos lentos.

A Vitória já cansada de pedir,

Passou a termos mais violentos.

 

Olha que barriga, vaca gulosa,

Comeste tanto, pesa-te a bandulho.

Deixas de andar vagarosa,

Ou ‘inda levas de estadulho.

 

Malhada, a vaca, olhava a menina,

Que nunca assim a maltratara,

Parecendo dizer em voz pequenina

Hoje nada comi, coisa bem rara.

 

Como era de esperar a noite crescera.

Arrasta-se mal, Malhada, a vaca,

                                Vitória, a menina, já desespera.

  Agora a vaca virou uma estaca.

 

Estavam assim as duas paradas,

E lá do fundo do uma voz acesa.

Eh rapariga, que fazeis a aí pasmadas,

Mexe-te qu’a ceia está na mesa.

 

A Vitória a culpa não é minha,

É desta barriguda que parou de repente.

Até a agora devagarinho, mas vinha.

Agora nem p’ra trás nem p’rá frente.

 

O avô, que era dele a voz manda

A neta ir indo, que depois vai lá ter.

Vitória num segundo desanda

E diz avô, espero por si ao amanhecer.

 

A espera não foi assim tanta, tanta,

Mas era noite alta quando chegou.

Chamou a neta como quem canta.

Anda cá ver que bem a vaca andou.

 

A Vitória curiosa desce a correr

Vai à corte da Malhada espreitar.

Nem acreditou no que estava a ver

Um bezerrinho na vaca a mamar.

 

Triste de lhe ter chamado gulosa,

barriguda nervosa pela noite que caía

Chega-se à vaca, que está vaidosa

Desculpa, Malhada, eu não sabia.

  Zé Onofre