Rebusco 14
14
978/07/21
Palavras,
Sacos vazios,
À espera de movimento,
À espera de sentido.
Zé Onofre
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14
978/07/21
Palavras,
Sacos vazios,
À espera de movimento,
À espera de sentido.
Zé Onofre
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(Depois não digam que repito os textos. A isso me obrigam)
023/01/27
Nestes tempos que correm
Há muitas faces com cor alteradas
Não sei se é a cor que é trocada,
Ou se é maquilhagem tirada
Mostrando a tez verdadeira,
Agora que já lá vai a negra geada,
Já podem tirar a máscara inteira.
Agora está bem, está bem
Há pessoas que, já sem pudor,
Mostram as faces que têm.
Agora está pior, está pior
Afirmam que querem ir além,
Mas querem é o velho ditador.
Há quem pense e nisso insista
Que basta a consciência democrata
Contra o discurso revanchista
Que luta por um regime autocrata,
Terreno onde germina o estado fascista
Que o liberalismo no seu peito trata.
Agora está bem, está bem
Há pessoas que, já sem pudor,
Mostram as faces que têm.
Agora está pior, está pior
Afirmam que querem ir além,
Mas querem é o velho ditador.
Vamos agora falar sem rodeios,
Com clareza. A democracia liberal,
Ou apenas democracia são meios
De defender a ditadura do capital.
Não se estranhe, portanto, o receio
Que têm de uma ditadura social.
Agora está bem, está bem
Há pessoas que, já sem pudor,
Mostram as faces que têm.
Agora está pior, está pior
Afirmam que querem ir além,
Mas querem é o velho ditador.
Zé Onofre
Fora do baralho
023/01/26
Carta aberta (a propósito e de propósito)
A quem de direito
Virtuais amigos, leitores persistentes dos meus textos, leitores passageiros e leitores que, certamente para vossa paz de espírito, quando ledes quem assina, passais à frente rapidamente.
A todos vós respeito por igual. Apreciando, ou não, concordando, ou não o que escreveis e que é possível ler.
Há um assunto que me incomoda. Não sei se a algum de vós aconteceu o que vou descrever.
Todavia, antes de ir ao que aqui me trouxe tenho a lamentar que alguns autores se tenham afastado deste espaço. Abandonaram porque se sentiram incomodados por comentários maldosos, indelicados, ou insolentes. A esses, que partiram para outras paragens, peço-vos que se de qualquer modo puderdes contatar com eles, lhe manifesteis a minha solidariedade.
Agora vamos ao que aqui me trouxe.
Entrei nesta aventura para decidir o que fazer à papelada que jazia em gavetas, malas, caixas.
Se fossem lidos, criticados, seguiriam a sua vida livre de mim, como seres autónomos e livres.
Se passassem desapercebidos, sem mexerem com algum de vós, seguiriam diretamente para a cremação, mortas que estavam.
Foi assim, que com ansiedade, criei o blog “Das eras”. Após algumas publicações, de uns cadáveres adiados, houve leitores generosos, de certeza, que lhes deram um segundo sopro de vida. Continuei.
Conforme exumava as folhas amarelas e cadavéricas, das tumbas onde em paz jaziam, verifiquei que algumas estariam deslocadas sobre os objetivos de “Das eras”. Decidi, assim, criar um outro que batizei de “Notas à margem”. Com este nome porque se encontravam depositados nas margens de cadernos, folhas de congressos, apontamentos de ações de formação, de reuniões sindicais, reuniões de direção de associações enfim, onde houvesse espaço para rabiscar umas palavras.
Estes blogs, que eu imaginei inócuos para o meu dia-a-dia, fizeram com que eu lesse outros textos, conhecesse aqui “outras gentes”, como não consegui ficar com as mãos quietas pus-me a comentá-los nos lugares próprios. Comentava-os com tanto entusiasmo que a uma certa altura um autor escreveu, chamando-me a atenção para o fato de estar a invadir o espaço de outrem, que me contivesse.
Aceitei o reparo, comecei a escrever comentários mais breves que guardávamos para desenvolver. Nascia uma nova página – “Comentários”. Ao início mandava-os à vida sem referência às suas raízes. Entretanto concluí que eles não estariam completos sem referência aos autores e aos textos que contribuíram para que os “comentários” germinassem.
A vida não parou. Coisas aconteceram. Uns mais agradáveis, outros menos – dependendo do ponto de vista. As leituras aumentando. Provocaram observações escritas a propósito e nunca de propósito.
Consultando os meus botões concluí que não faria qualquer sentido incluí-los nas páginas já criadas. Vai daí surgiram “Spartacus” e “Dia de hoje”.
Tudo corria na paz dos anjos. Escrevia, publicava e logo a seguir surgiam em os “Últimos posts”. Para não ocupar espaço alheio e porque havia alguns textos que me mereciam mais espaço para expor o que eles me sugeriam lá chegou “Comentários longos”.
Parece que este Blog fez turbulência cá no Charco. Ao fim de duas ou três publicações caiu à lama. Ainda tentei compreender qual a razão de tal naufrágio. Deram-me algumas explicações que não digeri bem e fiz de conta que eram suficientes e continuei.
Para meu desagradado espanto o mesmo foi acontecendo com os outras páginas que foram sendo “blo(g)queados”. Neste momento apenas o que publico no “Notas à margem” vão até aos “Últimos posts”, contudo apenas um por dia.
Para dizer com toda a sinceridade não entendo estes critérios. Um dia destes dei conta que um mesmo autor publicou dois textos com intervalo de dois minutos que foram honrosamente expostos em os “Últimos posts”.
Por isso pergunto-vos se já algo assim aconteceu convosco, ou se eu é que sou o privilegiado.
Todavia para quem de direito as perguntas são outras.
Será por estarem carregados de erros ortográficos?
Será por terem a pontuação mal colocada?
Será devido a gravíssimos erros de sintaxe?
Será por pensar retrogradamente?
Será por pensar cinquenta anos à frente como me dizia um amigo de infância?
Será por motivos ideológicos?
Será que insultei – embora já tenha sido insultado - alguém inadvertidamente?
Ou será, talvez por o meu nome (Onofre) ser malcriado como dizia uma sobrinha de uma colega na Escola onde me formei professor?
Seja qual for o motivo, para esta distinção, gostava de a conhecer.
Zé Onofre (de registo de nascimento Onofre José da Mota Barbosa)
O ouvido do rei
Conta o povo, ou a lenda,
Ou talvez o povo tenha feito a lenda.
Agora o povo diz que há uma lenda
Mais velha que os avós, dos avós dos seus avós.
No velho Castelo, lá no alto do Outeiro,
Viveu antigamente um rei igual a todos os reis
De todos os tempos e de todas as lendas.
Caçava javalis, veados e ursos nas suas matas.
Que quando não caçava, guerreava outros reis.
Nos intervalos das caçadas e das guerras
Arranjava tempo para atender pessoalmente
Os seus súbditos. Da mais alta nobreza e clero
Ao mais baixo dos pés descalços,
Justiça aqui lhe seja feita.
Numa das audições ouviu dois senhores,
Da mais alta nobreza do seu reino.
Uma questão de caça. D. Beltrão acusava
Que bicho como aquele, só aquele.
Porem, foi interrompido pelo rei.
Não terá caído, um veado igual ao seu
Da Mata de D. Beltrano, ao seu caldeirão?
Num outro dia atendeu dois lavradores
Desavindos à quebra de um acordo feito,
Em nome dos seus filhos, ainda crianças.
O sr. José da Póvoa prometeu o seu filho
Alberto, à Anita filha do sr. António da Horta.
Ao fazerem tal acordo difícil seria não dar asneira.
É verdade que a Anita e o Alberto gostam-se,
Como amigos. Se não o fossem seria de estranhar.
Brincaram às casinhas desde pequeninos.
Agora para casar Anita ama o Manel da Eira.
O que acordaram ficou lá no passado
E deixem os dois pombinhos casarem-se.
Já longe do Castelo, na ladeira do Outeiro
Dizia o sr. António ao compadre José.
Antes de nos teres levado ao sr. rei,
Falávamos e entre nós resolvíamos o caso.
Ó compadre, sabes que não sou queixinhas.
Diz-me então compadre, como o sabia o rei?
Estes casos do rei saber tudo sobre todos,
Pôs o reino numa maldita confusão.
Cada vizinho acusava o outro
De o rei lhe pagar para ser espião.
O rei cansado de ouvir tanta desavença,
Decidiu acabar com os mal-entendidos
Antes que o povo armasse uma explosão.
Para isso tinha que desvendar o seu segredo,
O que não lhe agradava de modo algum,
Todavia, pior seria sangue a correr pelo chão.
Convocou para o seu Castelo do Outeiro
Todo o Povo para acalmar a sua Nação.
Da varanda arengou no estilo do costume.
Senhores nobres, bispos e padres,
Abades, abadessas, freiras e frades,
Lavradores, pescadores, tecelões e tecedeiras.
Meu Povo.
Quando já todos mostravam impaciência,
Convoquei-vos hoje aqui para vos garantir
Que no reino não há, não houve nem haverá,
Espião ou espia, coscuvilheiro ou coscuvilheira
Que me façam chegar aos ouvidos a vossa vida.
Meu povo, há aqui no alto do Outeiro,
Junto ao Castelo, um penedo orelhudo,
A que resolvi chamar o ouvido do rei,
Porque encostando lá o meu
Permite-me ouvir tudo que se passa
Perto do Outeiro, ou nos longes do reino.
Um oh, um só oh de incredulidade subiu
Da multidão reunida até ao rei.
Não levando a mal tamanha desconfiança
Disse com um sorriso. Com certeza
Não duvidareis de uma inocente criança.
Tu, que ris incrédulo, vai até ao orelhudo,
Que desço para ir lá ter contigo, vamos.
Encontraram-se junto ao Penedo.
Encosta o teu ouvido ao Orelhudo.
O rapazinho, ainda desconfiado, assim fez.
Primeiro começou a sorrir, a rir baixinho
Por fim desatou à gargalhada.
O povo quis saber que diabo se passava.
Ouço um padre a rezar a missa em latim.
Agora o Romão remendão canta e bate a sola.
Longe, um lavrador chama o preto e o amarelo.
Podeis acreditar aqui o penedo do Outeiro
É o verdadeiro ouvido do senhor rei.
O castelo já ruiu,
O rei do Outeiro morreu,
O ouvido do rei ainda está lá.
Quem acreditar, acredita,
Quem não acreditar
Vá lá escutar.
88
023/01/24
Triste humanidade,
Esta, a que chegamos.
Desde que se coroou
Com os louros de civilizada,
Regrediu,
Não à selvajaria de onde emergiu,
Mas nos sentimentos de igualdade.
Triste humanidade,
Esta, a que chegamos.
O sentimento de igualdade
Transformou-se
No sentimento de posse,
De poder sobre os mais fracos,
De hostilidade
Contra os vizinhos.
Triste humanidade,
Esta, a que chegamos.
Tudo se transformou em mercadoria.
Desde os bens mais básicos
Como os alimentos,
O trabalho que sustenta a vida,
A terra e o mar,
A natureza com os seus recursos,
Os homens e o seu génio,
A arte e a educação,
A saúde,
Tudo se transformou
Em bens de troca e consumo.
Até o corpo das mulheres
Tem um preço à hora,
E os sem vergonha
Que tudo podem e possuem,
Civilizadamente evoluídos,
Chamam, a este tráfico de carne humana,
A mais velha profissão do Mundo.
Triste humanidade,
Esta, a que chegamos.
Zé Onofre
13
978/07/17
Desculpa,
Que palavra vazia,
Pesada,
Gelada.
Desculpa.
Zé Onofre
306
023/01/22
Sobre, Água, não é só água. Maria Soares,12.01.23 em narrativas.blogs.sapo.pt/
A água,
No seu ciclo eterno,
Leva consigo memórias
De pessoas.
Choros e alegrias,
Canções de amor e luta,
Palavras meigas e violentas,
Palavras de paz e guerra,
Palavras triviais e complexas,
A água,
No seu ciclo eterno,
Leva consigo memórias
De dias serenos e tempestades,
De ventos e ventanias.
De brisas e vendavais
De dias calmos e de furacões.
A água,
No seu ciclo eterno,
Leva consigo memórias
De corpos estendidos
Nas margens
De rios, lagos e mares,
De corpos flutuando
Nas correntes e nas ondas.
A água,
No seu ciclo eterno,
Leva consigo memórias
De leves fios de água
Descendo dos montes.
Correndo por rápidos e cataratas,
Serpenteando por planícies,
Ate adormecerem no mar.
A água,
No seu ciclo eterno,
Leva consigo memórias
De dias sem história,
De dias de festas engalanados,
De dias assombrados,
Por catástrofes naturais,
Ou pela insanidade humana.
A água,
No seu ciclo eterno,
Leva consigo memórias
Do fundo dos tempos,
Gravando o presente.
Que seguem para o futuro
Que está já ali à esquina
Onde o menos infinito
Se une ao mais infinito.
Zé Onofre
Eugénia no Penedo
Como todos os anos,
Eugénia,
Marido e filhos,
Visitava os seus pais pelo Natal
Na aldeia onde nascera.
Vinha uns dias mais cedo
Para conviver com os irmãos,
Com os sobrinhos.
Como era reconfortante
Ver os primos correrem na brincadeira,
Pelos cantos e recantos da velha casa,
Era ver-se com os irmãos naquela idade.
Em uma das tardes daqueles dias
Foi-se afastando.
Encontrou-se sentada no penedo,
Onde em menina se sentava
Quando se sentia só,
Triste,
Sem saber o por quê.
Pôs-se a olhar para dentro.
Via
A paisagem que conhecera,
Não aquela
Que agora de olhos abertos
Via com tristeza.
Fechava os olhos.
Um pequeno ribeiro
Correndo forte no inverno,
Leve no verão.
No verão,
Era um cantar cristalino de pedra em pedra.
No inverno,
Era uma voz furiosa,
Imitando os grandes rios,
Subindo e alagando os campos que o marginavam.
Fosse verão, ou inverno,
Fazia caminho ladeado de verde.
Abre os olhos.
Uma serpente preta
Percorre o caminho do ribeirito,
Levando veículos de todas as cores e feitios,
Em altas, ou baixas velocidades,
Todos defumando o ar que respiramos.
Olhando no seu interior
Vê matas de pinheiros,
Carvalhos e sobreiros.
Lá no meio deles,
Como carta fora do baralho,
Um enorme eucalipto,
Com eles cavalgava montes acima.
Abre os olhos.
O verde das árvores encolheu,
Muitas clareiras o rasgaram.
Cores vivas
Acompanham
O que resta do arvoredo
Até ao cimo do monte.
Olha no seu passado.
Lá estão as suas amigas,
A Lola, a Júlia e a Amélia.
Estavam a jogar à macaca,
Às pedrinhas,
O quino pedreiro,
A saltar à corda
À volta do enorme eucalipto.
Depois vê-se aninhada
Aos pés do forte eucalipto
Que a abraçava com as suas fortes raízes.
Duas lágrimas
Rolam agora pelo rosto de Eugénia.
Está a ver o seu eucalipto,
Que fora vilmente vendido,
Ser abatido.
O Toninho trepa-o com uma corda.
Chega ao alto e laça-lhe um ramo.
Em baixo, o Quinzinho e o Gaspar
Esperam que a serra acabe o serviço
Para lentamente depositarem no chão
O cano decepado.
Assim
Ramo após ramo,
O eucalipto nu
Tomba estrondosamente por terra.
Agora uma voz chamava,
Eugénia, Eugénia, …
Não eram as vozes verdes
Das suas amigas da infância.
Era a voz
Forte e madura do seu marido
Que lhe abria os olhos.
Eugénia, antes de os abrir,
Deu um último adeus ao seu eucalipto.
Ao último chamo,
Levantou-se e foi ter com a família.
87
023/01/21
Ó ingenuidade da juventude,
Que em tudo vê o melhor dos mundos.
Ó ingenuidade de estudante,
Fechado no interior de si mesmo,
Da família
E de um país fechado
Num romantismo heroico tardio.
Ó ingenuidade bovina
Que olha para um palácio,
Sem nada entender se enleva
Nas novidades da revolução industrial,
No início de um mundo robotizado.
Ó ingenuidade ignorante
Que acredita piamente
Nos avanços das máquinas
E da futura robótica
Como libertação da humanidade
Das correntes de trabalhos esforçados,
Trabalho de escravos,
Das correntes do tempo
Que o impedem de gozar
Todas as belezas
Que a natureza contém
E aquelas que o génio Humano
Cria também.
Que tombo na dura realidade
Que nenhum “manto diáfano da fantasia”
Cobre e se deixa ver em todo o seu horror.
Que amargura
Verificar
Que tudo que o “engenho e a arte” criaram
São apenas para usufruto de uma elite
Minoritária e prepotente que de tudo se apodera.
Quanta revolta então nasce
Nos que se veem arredados,
Espoliados, do que naturalmente
A toda a Humanidade pertence,
Que humilhação quando se descobre
Que há a Humanidade e os outros
E que os outros somos os de sempre.
Escravos na Roma e Grécia antigas.
Servos da gleba medievais.
Escravos dos impérios coloniais.
Assalariados nos tempos atuais.
Zé Onofre
12
978/07/17
Olho esta pedra.
Sei que é uma pedra.
Posso dizer mais,
É uma amostra de rocha granítica.
Posso acrescentar,
É formada por quartzo, mica e feldspato.
Posso pormenorizar.
O quartzo é mineral cristalino
Que cristaliza no sistema hexagonal.
A mica é um mineral cristalino.
Sendo um cristal monoclínico.
Do feldspato não sei o que dizer,
Mas que entra na constituição do granito
Ai isso entra.
Olho as coisas
E sei o que são.
Olho as coisas
Tento sabê-las.
Olho tudo
Agregado,
Esmagado,
Temperado,
Com um quantum de luz,
Uns mícrones de pó estelar.
Digo com humildade.
Já não sei nada.
Zé Onofre