Dia de hoje 80
80
022/12/09
Decidiu partir.
Nada justificava ficar na aldeia
A que nada o prendia.
A mãe,
Que ali o segurava,
Falecera.
Os irmãos espalhados.
Os amigos,
Perdidos pelo mundo.
Que deixava para trás?
Uma vida vivida entre trabalho e casa
A leitura apressada do jornal
No canto do café.
A arrogância dos senhores da Terra,
Que vinham passar setembro na aldeia,
Receber as rendas dos caseiros,
Acompanhar as vindimas,
Enquanto os filhos se exibiam no Largo.
Chegou ao fim da viagem.
Olhava as paredes da estação
De olhos esbugalhados.
Agora que iria fazer,
Perdido que estava?
Certamente fora um erro
Partir "à cega seja eu".
Talvez fosse melhor
Regressar no mesmo comboio.
Uma mão pousou-lhe no ombro
Coisas da sorte,
Ou do destino.
Era uma velha mão amiga
Que o levou até à sua residência,
Uma casa numa ilha,
Onde conseguiu alugar
Uma cozinha,
Um quarto/sala.
Dava até arranjar coisa melhor.
A rotina continuava a mesma,
Apenas numa Terra diferente.
Trabalho, casa e café.
O que seria provisório
Tornava-se definitivo.
Aqui a miséria não vai de porta em porta
Vive de mãos esticadas
Nos umbrais das portas
Ao lado dos seus colchões de cartão.
Os donos da Terra viviam em palacetes
A renda que cobravam aos trabalhadores,
Eram os salários baixos que pagavam.
Resolveu transpor fronteiras,
Apesar de não ser propriamente jovem.
Parecia que a miséria perseguia
Os seus passos.
Agora a miséria vivia nos túneis dos metros.
A pobreza em bidonville
Nos muitos bafejados
Com a mesma sorte macaca.
A diferença entre o patronato
E o povo trabalhador
Tornava-se mais visível.
Ali os Senhores
Da Terra e do Dinheiro
Viviam em casas apalaçadas,
Em bairros elegantes,
Bem longe do suor
De quem os enriquecia.
Deixou-se ficar
Enquanto pode trabalhar.
Então resolveu voltar,
Para que a terra que lhe fora berço,
Lhe fosse também caixão.
Numa tarde de dezembro
Estava sentado num toco,
Num ponto alto
A observar a aldeia.
Rememorava cada pessoa.
Quantos estariam ainda vivos?
Quantas crianças seriam adultas?
Por ali se deixou ficar
Revivendo os passos antigos.
Quando começou a escurecer
Desceu à aldeia
Foi percorrendo veredas,
Caminhos e largos,
Acabando no maior,
O largo da igreja.
Dirigiu-se ao café,
À mesma mesa do canto.
Um empregado desconhecido
Atendeu o seu pedido
Não dando qualquer sinal
De o conhecer.
A noite fria ia-se adiantando.
O largo ganhava vida
Com pessoas a entrar na Igreja.
Só então lhe ocorreu
Que era véspera de Natal.
Pagou,
Saiu e, também ele,
Foi para a Missa do Galo.
Entrou pela porta do fundo,
Pareceu-lhe que alguém
Lhe guardara o lugar no banco
Encostado à parede.
A missa começou,
Nem se apercebeu
Da mudança de Padre,
Perdido nas suas lembranças.
Voltou ao presente
Na altura do beija-menino.
Via na postura das pessoas
O cumprimento de uma tradição,
Não um ato de comoção.
As crianças iam na fila
Com um ar aborrecido
Já fora, no Largo,
Via as crianças agitadas
A apressar os pais.
Queriam ir para casa,
Desembrulhar as prendas,
Mais ricas, ou mais pobres.
Para elas eram O Natal.
Desesperado, desapareceu na noite.
Zé Onofre