Penafiel 54
54
09/01/978
Pediram-me que falasse da vida.
Aqui estou para a dizer
Em palavras duras, cruas,
Que são difíceis de receber.
Pediram-me que falasse da vida.
Aqui estou para a dizer
Através de figuras cruas
Do nosso difícil de viver.
Aproxima-te
Ó mulher prostituída
Dos verdes anos sem viço.
Aproxima-te
Ó velho reformado
Dos bancos do jardim.
Aproxima-te
Ó criança trapo
Do bairro de lata.
Aproximai-vos e gritai.
Grita,
Mulher prostituída
O teu sexo frio.
Grita,
Velho reformado,
Os teus anos gastos
De miséria pura.
Grita,
Criança,
A tua fome milenar.
Vinde,
Saí da penumbra.
Sai,
Mulher prostituída,
Da sombra do teu viver obscuro.
Sai,
Velho reformado,
Do banco gasto do jardim público.
Sai,
Criança trapo,
Dos farrapos do teu já cansado viver.
Pediram-me que falasse da vida.
Aqui estou para a dizer
Em palavras duras, cruas,
Que são difíceis de receber.
Pediram-me que falasse da vida.
Aqui estou para a dizer
Através de figuras cruas
Do nosso difícil de viver.
Aproxima-te,
Senhora dona Fulana
Dos salões de chá,
Dos bailes de Caridade.
Aproxima-te,
Velho ricaço,
Ajoelhado (em cuecas)
Em frente à jovem criada.
Aproxima-te
Criança farta, birrenta e aborrecida,
Abonecada pelos caprichos da Mamã.
Grita,
Senhora dona Fulana,
A tua inutilidade
Feita caridade em tempos de Natal.
Grita,
Velho Ricaço,
O teu moralismo em discursos de altar.
Grita,
Criança aborrecidamente farta,
A meninice mimada com a pobreza de outros.
Pediram-me que falasse da vida.
Aqui estou para a dizer
Em palavras duras, cruas,
Que são difíceis de receber.
Pediram-me que falasse da vida.
Aqui estou para a dizer
Através de figuras cruas
Do nosso difícil de viver.
Aproxima-te,
Ó mulher domesticada,
Mãe dos teus filhos.
Aproxima-te,
Ó homem libertino,
Corno e corneador dos teus amigos.
Aproxima-te,
Ó criança maltratada,
Filha do acaso ou das conveniências.
Aproximai-vos e gritai.
Grita,
Ó mulher domesticada,
A tua vida roubada.
Grita,
Ó homem libertino,
Os teus cornos florescidos.
Grita,
Ó criança maltratada,
A tua inocência pura.
Pediram-me que falasse da vida.
Aqui estou para a dizer
Em palavras duras, cruas,
Que são difíceis de receber.
Pediram-me que falasse da vida.
Aqui estou para a dizer
Através de figuras cruas
Do nosso difícil de viver.
Aproxima-te,
Ó mulher operária,
Construtora e transformadora da vida.
Aproxima-te,
Ó homem operário,
Construtor e transformador da vida.
Aproxima-te,
Ó criança,
Nascida do amor,
Doado e criado mão na mão.
Aproximai-vos e gritai.
Grita,
Ó mulher operária,
A tua alegria de viver
De construir e transformar a vida.
Grita,
Ó homem operário,
A tua alegria de viver
De construir e transformar a vida.
Grita,
Ó criança nascida da alegria,
A felicidade de seres filha do amor.