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Notas à margem

Textos escritos em cadernos, em guardanapos, em folhas encontradas ao acaso, sempre a propósito, nunca de propósito. isto é "vou escrever sobre isto". Não é assim que funciono.

Textos escritos em cadernos, em guardanapos, em folhas encontradas ao acaso, sempre a propósito, nunca de propósito. isto é "vou escrever sobre isto". Não é assim que funciono.

Notas à margem

16
Out22

história para aprender a ler er eswcrever - Livro I - Gato falante

Zé Onofre

Gato falante

GATO FALANTE.jpg

 

Um dia a minha amiga Gorete

Contava com palavras sérias,

Daquelas que não aceitam dúvidas,

Que ia um dia para casa,

Só, pelo caminho do costume,

Quando viu, no meio da erva verde,

Uma bola branca e amarela.

 

Parou um momento, para respirar,

E continuo ainda mais séria.
Preparava-me eu para lhe dar um chuto.

Fiz-lhe ar com o pé,

Pois errei o alvo,

E lá do meio do manto verde

Uma voz diz

Má-má, má má …

 

Outra pausa.

Desta vez a Gorete

Tinha-se engasgado com a emoção.

Aninhei-me,

Peguei naquela coisa branca e amarela.

Fui surpreendida por uns olhos verdes

Piscos

Que me saltaram para o colo

A dizer.

Que bom, que bom.

Com a boca aberta,

Para libertar o espanto,

Pensei para mim mesma.

– É um gato falante.

 

Mais uma pausa,

Como se esperasse uma réplica

De nós, seus ouvintes,

Como nenhum de nós se atreveu,

Continuou, como se falasse com o gato.

– Eu levo-te ao colo,

Até ficava contigo,

Mas, para tristeza minha,

E azar teu

O meu pai não acha piada

A animais lá por casa.

 

Mais uns instantes de silêncio,

Parecia que se tinha perdido

E não sabia como continuar.  

Foi então que naquele instante

Me surgiu uma leve esperança.

– Talvez o meu pai te aceite,

Visto que és um gato falante.

Vamos lá dar às pernas

E acabar com esta agonia.

 

Naquele momento em que parou,

Para depois continuar,

Parecia que ouvíamos  

As suas pernas a correr

E o seu coração palpitar.

Cheguei a casa

Ia bater à porta

Porém, como que por magia,

A porta abriu-se.

Atrás dela o meu pai,

Que nem um beijo me deu.

Olhou para o meu colo.

– Isso é um gato!

 

Parou mais uma vez.

Víamo-la frente ao pai

A tremer sem saber o que dizer.

Uns segundos depois, em sua defesa.

Claro que é um gato,

Bem um gato não, um gatito

que aos outros não é igual.

Digo-lhe desde já,

Que é um gato falante.

 

Calou-se.

Ouvíamos o pai pensar

Enquanto tomava uma decisão.

Baixou-se

Para me dar um beijo e um abraço,

Disse-me segredando.

Se é assim um gato tão maravilhoso,

Que como os homens sabe falar

Entra lá com ele.

Ouve, pareceu-me miar.

 

A comoção

Deveria ter sido tanta

Que ao contar-nos este passo

Quase desmaiou.

Sabem o que aconteceu.

O gatito saltou-lhe para o colo

E como se fossem velhos conhecidos,

Enrolou-se como uma bola,

Branca e amarela, já vos tinha dito,

E começou

Ai que bom, ai que bom, …

 

Calou-se longamente.

Pensamos que tinha acabado,

Íamos começar a desandar.

Engano nosso

A Gorete tinha algo a acrescentar.

Se o meu gato fala

Será que pensa que eu mio?

27
Ago21

Penafiel 5

Zé Onofre

              5

02/02/977

O racismo

Não se julga por frases juramentadas,

Mil vezes juramentadas.

- Eu não sou racista. –

Até podemos fazer uma declaração,

Testemunhada,

Registada,

Carimbada,

Assinatura reconhecida

No notário.

Isso nada prova,

Nada diz do racismo

Que trazemos dentro de nós.

É na prática

Que mostramos o que somos,

E não nas nossas profissões de fé.

 

Era uma manhã fria de Fevereiro.

Numa mesa,

Um grupo de amigos,

Abriga-se com um café

Bem longe do frio

Que a porta amável

Deixa entrar, de vez em quando.

Uma amiga,

Habitual do grupo,

Apressadamente chega,

Dá os dois beijinhos da praxe,

Senta-se junto do último.

Prepara-se para o cumprimentar,

Mas é interrompida por uma voz,

Que se faz ouvir nas outras mesas

- Não lhe dê os beijinhos

Que ele beijou uma preta.

  Zé Onofre