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Dias loucos sem tempo
Que esta casa comtempla.
Vida em apodrecimento
Ao longo do tempo.
Alguns momentos,
Poucos,
De alegria
Que não iluminam
O tempo aqui.
Vida
Vivida
Perseguindo o tempo
Que se esvai
Atrás do tempo.
Sinto-me parasita do tempo
Que passa,
Que passou
Do que virá?
Esbanjador do que fui
Parasita
Do que poderia ser.
Maus raios me levem.
Risos,
Gargalhadas,
Palavras entusiasmadas,
Fingimento de felicidade
Há muito jogada no vento
Originado nesta cabeça desnorteada.
Atirei-me para este quarto.
De mãos nuas vim
À procura de sentido
E apenas
Ecos gelados sem vida,
Da minha própria voz,
Dos meus próprios gestos.
Ouço de volta.
Risos,
Choros,
Alegrias,
Tristezas
Só ao longe,
Lá muito longe de mim.
De mim,
Da fingida liberdade que mostro,
Gelo,
Tanto gelo
Que até as pedras das paredes
Esfriam.
Campos verdes
Se espraiam na minha janela.
Regos,
Riachos,
Lagunas de água,
Refletem esta sombra
Que espia pela janela.
Este mesmo ser sombrio
Olha pelo canto da vidraça
Aves em voos artísticos,
Sob o céu azul,
Do nascer ao por do sol.
Vulto escondido,
Atrás da janela aberta,
Escuto conversas
Alegres,
Sublinhadas por risadas,
Palavras tristes
Ditas com lágrimas.
Meu viver
Feito de palavras enganadoras,
De risos postiços.
Tantos “eu”
Escondidos
Nas palavras sentidamente ditas,
Que me perco na sua rede
A descortinar qual deles sou,
Ou se nenhum.
Tanta imagem,
Tanto nada
Que encontro entre os espaços,
Nos sonhos,
Nos ventos,
Nos montes,
Nas fontes,
E quem procuro não está lá.
Não quero acreditar
Na inutilidade da vida que invento,
Na inutilidade em que me transformei.
Em tudo que intento
Está a prova
De quem nada pode,
Nem mudar o rumo da vida.
Sinto-me caído,
Destruído
Por todos e por ninguém
Mas com ajuda minha, sem dúvida.
Eliminado
Por descuido, ou arrogância,
Por engano, ou indiferença,
Ou se por recusa de continuar
Devido ao medo de errar,
Ou só de ouvir um não.
Tento levantar-me do chão
Voar em sonhos
Em que quero acreditar,
Mas sei que deles caírei
À primeira brisa contrária.
Gostava de ter a certeza
Para poder dizer
- Sou o que sou
Porque vós sois o que sois –
E seria nova fuga de mim
Para outro “eu”
Tão inútil, certamente,
Como daquele de que fujo.
De fuga em fuga,
De vai,
Vem,
E volta a ir
Vou-me construindo um nada.
Embrulho-me em mim próprio,
Imaginação do impossível,
No mundo do não sensível,
Na irrealidade.
Pára
Eu enosilhado,
De enunciar palavras loucas,
Que inocentes nascem
Das profundezas da loucura
Que sou.
Que pesadelo este,
Que por palavras incoerentes,
Tenta levar-me ao normal
Quando detesto a normalidade
Que tento fintar
Com palavras loucas.
Raios e trovões,
Aragens e vendavais,
Tempestades e tormentas,
Levai-me
Para onde não tenho coragem
De meter os pés a caminho
Até à fuga final.
Não deixeis de mim,
Nem uma lembrança,
Nem uma impressão digital,
Nem uma pegada,
Nem fotografia, nem som,
Nem registo de nascimento,
Que nem uma sensação
Que diga falta aqui qualquer coisa.
Que pessoas que aqui entrem
Não sintam os calafrios das paredes.
Não sintam o peso de uma ausência.
Não sintam o calor de alguém que ali tenha vivido.
Intempéries
Se não conseguirdes satisfazer este pedido
De me fazer regressar ao ovo
De que nunca deveria ter saído,
Escrevei num rectângulo desenhado na parede,
Sob esta frase
- Ó incrédulos, o que procurais não existe. –
DEVERIA TER NASCIDO A TANTOS.
EVAPOROU-SE ANTES DOS TANTOS.
NUNCA VIVEU.
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Zé Onofre