III
Tudo na vida começa
No acaso de um momento.
Mesmo que para mal aconteça,
Ninguém pára o movimento.
Está errado quem não creia
Que o acaso é o primeiro elo
De uma enorme cadeia
Que nos ata sem apelo.
Por isso o que vem depois,
É um caminho desconhecido
Para se caminhar dois a dois
Até ficar com paixão concluído.
Os elos cuidadosamente enlaçados
Com todo o amor e carinho
E a nosso modo entrançados,
Venceremos cada curva do caminho.
IV
Se a estrada ouvisse e falasse,
As palavras que gemidas saem
Desta boca, talvez calasses,
E não dissesses que não te quero bem.
V
Encontramo-nos por acaso
Num dia fim de Verão.
O sol já passara o ocaso
Mas não o meu coração.
Chisparam os olhos de volúpia
Ao ver tua boca vermelha risonha.
Partiste. De lamúria em lamúria
Cada noite fica mais tristonha.
Recordo aquele tempo
Em que os teus cabelos sedosos
Se agitavam como ameno vento
Às carícias dos meus dedos vaidosos.
Sem os teus olhos sorrindo,
Sem as tuas palavras meigas,
Sem o teu corpo se abrindo
Sou árvore só numa veiga
Que fazer agora, então
Com esta saudade sem fim.
Esperar que venha outro verão,
E viver com o que de ti há em mim.
Pergunto à saudade com o coração,
Se voltarão as noites de alegria,
Se os nossos corpos se unirão,
Em algum outro novo dia.
A saudade recorda o que perdi,
Diz-me que o que foi não voltará.
Contento-me com o que vivi,
E com o que o tempo futuro trará.
VI
Olhei-te um dia por olhar,
E vi que para mim sorriste.
Não soube bem analisar,
As palavras que pestanejaste.
Fico sem saber o que dizer
Nem explicar o que faço.
Como te farei entender
Que o amor se faz passo a passo.
Não é vivendo no passado,
Nem temendo o que trará o futuro.
Construi-lo-ei contigo ao lado,
Ou tudo será muito prematuro.
VII
Pensa bem que o amor
Não são palavras bonitas
Que possa dizer com fervor,
E só para te agradar serão ditas
O amor são os factos
Que com sinceridade
Pratico em todos actos
Com ternura e lealdade.
Ouve, nunca me peças,
Que te diga “eu amo-te”
Pode ser que te impeça
De ouvires o “eu engano-te”.
Àqueles que em simples actos,
Mostram todo o seu interior
Pensa bem se naqueles factos
Não estará o meu amor.
Nunca retribuas como pagamento
O que te dou desinteressadamente.
E com todo e inteiro sentimento
Mostra que te amo inteiramente.
Eu, que penso que sei o que é amar,
Sei também certamente compreender
Que quem tem verdadeiro amor para dar,
Alimenta-se do amor que receber.
Quero amar-te, sem fingimento,
Sem palavras falsas que nos firam.
Quero amar-te a qualquer momento,
Em todas as horas que nos esperam.
Não peças que te ame eternamente
É um pedido a que não sei responder.
Se sim, ou se não, errarei certamente,
Não sei o que o futuro nos vai trazer.
Supondo que em algum momento
O amor que te tenho vier a morrer,
Dir-to-ei com todo comedimento
Que amares sem ser amada é só sofrer.
As circunstâncias, que ditam a verdade,
Alteram-se e modificam tudo não é?
Não te esqueças que sem liberdade,
Não há amor que se mantenha de pé.
A liberdade é imprescindível no amor.
Sem liberdade ele morre, torna-se prisão.
Restam muitas lágrimas, amargura e dor.
A rasgar como faca afiada um coração.
Neste momento que me abro aqui
Peço-te que não te deixes escolher.
Não permitas que olhem para ti
Uma flor de florista que todos vão ver.
Não distribuas ao desbarato o teu amor,
Dá-o apenas a quem amares realmente.
Procura saber, seja a pessoa que for,
Se é o que é, ou se é outra diferente.
Então sim, entrega-te e ama plenamente.
Não penses que vais viver o amor ideal,
Se ele existir, como dizem, realmente.
Zé Onofre