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Notas à margem

Textos escritos em cadernos, em guardanapos, em folhas encontradas ao acaso, sempre a propósito, nunca de propósito. isto é "vou escrever sobre isto". Não é assim que funciono.

Textos escritos em cadernos, em guardanapos, em folhas encontradas ao acaso, sempre a propósito, nunca de propósito. isto é "vou escrever sobre isto". Não é assim que funciono.

Notas à margem

28
Mai23

Histórias de A a Z para aprender a ler e escrever - Livro II - Vida selvagem

Zé Onofre

VIDA SELVAGEM

 

À hora do jantar,

O pai do Joel

Gostava de falar,

Talvez mais lamentar,

Os tempos em que fora criança.

 

Quando

Os ribeiros e os montes,

Os campos e as fontes

Eram cheios de vida.

Do canto das aves,

Dos grasnares e dos chilreios,

Dos chiares e regougares

Nos campos e nos montes.

 

Ver,

A caminho do trabalho,

Os gaios e as pegas,

Os melros e os pintassilgos,

Os pardais e os piscos,

As carriças e os papa-figos,

As milheiras e os pintarroxos,

As gralhas e os corvos,

Os petos e os tordos,

Os cucos e as poupas,

As boieiras e as andorinhas,

Os patos selvagens,

As rolas e os pombos.

 

Ver saltar à sua frente,

Os coelhos e as lebres,

A assustadiça raposa,

Os esquivos texugos,

As pequenas doninhas,

As perdizes

E, à beira rio

As tontas lontras.

 

A tristeza,

Continuava o pai do Joel,

É que quase tudo desapareceu,

Acabou-se a alegria

Que havia em abundância

 

Na natureza.

E o seu assassino

Tem nome

O Homem

Na sua face de ganância.

 

Usamos pesticidas,

Adubos químicos.

Matamos as abelhas,

Destruímos os solos,

Convencidos

Que estávamos a fazer o bem.

As fruteiras a produzir mais,

Aumentar a rentabilidade do centeio,

Espigas maiores no milho,

A fertilidade dos batatais.

 

A fartura foi tanta,

Que embalados pela canção,

Quanto mais, mais

Só tarde reparamos

Que as andorinhas desapareciam

Dos beirais,

Todas as aves,

Toda a vida selvagem

A pouco a pouco já não se viam.

 

Apesar disso

A terra continuava a não dar pão.

E os menos afortunados

Foram procura-lo noutro chão.

Com voz dorida,

O pai do Joel

Continuava o rol das lamentações.

Os campos, sem braços,

Foram invadidos pelos montes,

A bicharada regressou,

Em menor número

Mas já não encontrou

Quem lhes apreciasse a vida.

 

Olha em volta, Joel,

Onde agora desponta o vermelho dos telhados,

Quando fui da tua idade

 

VIDA SELVAGEM.jpg

 

Despontavam cores

Em grande variedade.

Era o verde nascente da Primavera,

O verde maduro do Verão,

O arco-íris do Outono,

A cor triste do Inverno

Nos troncos nus de muitas árvores.

Certos anos o Inverno,

Para nos dar alguma alegria,

Embranquecia as folhas que restavam,

Os troncos nus que se erguiam,

E quando se despedia

Deixava pingentes de gelo

Que ao sol de Inverno

Brilhavam como diamantes.

 

Joel,

Que já gostava de gastar passos,

Pelos Campos e pelos montes,

Mergulhar os pés nus

Nas águas frias dos regatos.

Agora, quando o fazia,

Não via o que via,

Via o que o seu pai via,

Quando como ele fora criança,

E sentia as lágrimas

Que a nostalgia lhe punha na voz.

 

Um dia foi às compras,

À loja da aldeia

E ouviu os homens,

Que bebiam um copo,

No tasco que ficava nas traseiras,

Falarem num malvado javali

Que lhes dava conta das colheitas.

Pois faça-se uma batida ao maldito

No próximo Domingo

E está o caso resolvido.

 

Joel

Ouviu com tristeza

Aquela novidade.

Quanto mais pensava no assunto,

Mais desesperado ficava

Com tamanha maldade,

Que, sem pensar,

Iria matar um dos animais

Que ainda vivia

Nos meios naturais.

 

Joel,

Com as saudades do seu pai na cabeça,

Tornara-se amigo de todos os bichos,

Conhecidos e desconhecidos,

Até mesmo das arrepiantes abelhas,

Vespas e besouros,

Que só de vê-los,

Lhe eriçavam os cabelos.

 

Resolveu conhecer o javali

Numa noite de luar.

Saiu de casa depois do jantar,

E foi esperá-lo

Encostado a um velho sobreiro

Que limitava uma clareira,

Por onde o javali haveria de passar.

 

Ali esteve o que lhe pareceu

Um tempo sem fim,

Decerto nem uma hora estivera,

Contudo o javali apareceu

E bem valeu a espera.

 

Era assim a modos que um porco,

Com dois dentes

Parecidos com os dos elefantes,

Pelo hirto e preto,

Com as pontas acobreado,

Fuçando o solo,

Como se não houvesse depois,

Nem tivesse havido antes.

 

Na véspera da batida,

Chamou os amigos para a aventura.

Lá foram todos,

Calados e silenciosos,

Até à tal clareira.

Quando chegaram

Já o Javali fuçava com gosto.

Foi então,

Que o Joel e os amigos,

Romperam numa barulheira

Que até as pedras ensurdeceram.

O javali espantou-se de tal maneira

Que a correr entrou no rio

Foi fuçar para a outra margem.

Joel estava feliz com o que fez,

Salvara o Javali,

Pelo menos daquela vez.

Zé Onofre

12
Mai23

Histórias de A a Z para aprender a ler e escrever - Livro II - A princesa encantada

Zé Onofre

A PRINCESA ENCANTADA

 

Era uma vez…

Num reino para além

Dos horizontes

Dos vales, das montanhas,

Das lagoas, dos rios,

Dos mares e das fontes.

 

Era uma vez…

Num reino lá atrás,

No início de todos os anos,

De todos os séculos,

Das eras perdidas

E quem sabe

Num tempo sem medidas.

 

Nesse reino,

Sem espaço, nem tempo,

Vivia um rei

Senhor das terras,

Dos rios e dos lagos,

Dos prados e dos montes,

Dos mares e das praias,

Dos navios e das pontes.

 

Era dono

Dos seres vivos.

Dos que vivem nos ares,

Nas terras

E nos mares.

Da vegetação,

Do feno que ao vento ondula,

Aos arbustos que dançam

À canção do vento nas árvores.

De todos os minerais e pedras preciosas

Dos cinzentos granitos aos claros mármores.

 

Apesar de ser dono de tudo,

Deste deslumbramento

De tantas riquezas

De tanto mundo

De tantas belezas

Em que tudo se verga aos seus passos.

Apesar de tudo vivia triste.

Não tinha filho, nem filha,

Não teria neto, nem neta

Que apertasse nos seus braços,

Cada vez mais secos e cansados.

 

Um dia,

Em que o desânimo batia forte

Apareceu um velhinho

Trazido nas asas do vento norte.

Disse,

Na sua voz doce,

Serena e forte,

Que tinha vindo

Para acabar com a tristeza

Que há anos atormentava

Sua real alteza.

 

Logo o rei

Lhe prometeu mundos e fundos,

Riquezas mil que estavam à sua escolha

Por todo o seu reino.

O velhinho disse

De tudo quanto me oferece

Daqui só quero apreciar,

A ondulação do feno, verde-mar,

A canção do vento

Que faz os arbustos dançar.

 

Assim quis, assim se fez.

Passados nove meses

Aconteceu o que tinha de acontecer,

Com a bênção do velhinho,

Talvez sábio, ou feiticeiro,

Um menino acabou por nascer.

 

Nasceu Ricardo.

Cresceu belo e inteligente.

Porém,

Sem a companhia duma criança

Era um Ricardo desanimado,

Que vivia sem a esperança

Dum dia ter alegria.

A PRINCESA ENCANTADA.jpg

O rei

Ao ver o seu filho

Uma criança já envelhecida.

Lembrou-se

Do Velhinho,

Talvez sábio ou feiticeiro,

E pôs todos os seus criados à sua procura.

Que visitassem as searas ao vento,

Os arbustos a dançar,

Nas canções do vento.

Que visitassem todas as grutas,

Levantassem todas as pedras,

Atrás de todos os penedos,

Que não deixassem palmo por averiguar.

 

Assim fizeram,

Com esmero cumpriram as ordens

Nada ficou por esquadrinhar.

Do velhinho,

Sábio ou feiticeiro

Nem uma breve visão,

Nem o mais leve cheiro,

Ou algum som que dele viesse.

Voltavam

Já vencidos pela pouca sorte.

Ao entrarem no caminho,

Rumo ao Castelo

O velhinho

Aparecido ali, não sabiam de onde,

Trazia na mão uma gaiola de arame

Que tinha dentro um rato

Enfeitado com um laço amarelo.

 

O que se pode dizer

Contentes como um rato

Correram, quase voavam

Onde o Rei e a Rainha,

Aios e aias

E claro o Ricardo

Os aguardavam com ansiedade

E já nada de bom agouravam.

 

Ergueram a gaiola

Como se fosse um troféu

Desmontaram todos ao mesmo tempo

E com o devido respeito

Dirigiram-se à família real

E à sua frente ajoelharam,

Apresentaram a prenda original.

 

A luz voltou ao castelo.

Ricardo crescia agora

Belo, inteligente e alegre.

Era o rato atrás do Ricardo,

Era o Ricardo a seguir o rato.

Andava tudo num reboliço.

Móveis que saíam do lugar,

Jarras que se partiam

Depois de um voo pelo ar.

As carpetes ondulavam,

As tapeçarias balouçavam.

 

Apesar de contentes

Pela energia inebriante

Do seu filho Ricardo.

O que o pai e a mãe não sabiam,

Era com quem brincava o seu infante.

Onde os reis babados

Pela alegria sem comparação

Do seu filho Ricardo

Viam apenas um rato,

O filho de suas altezas

Brincava com a mais bela

De todas as princesas.

 

Um dia

O rei João

Meteu na sua cabeça

Que chegara a hora de casar o Ricardo.

Este não gostou da lembrança.

Casar com quem

Perguntava à mãe

Que lhe dava mais confiança.

Não te aflijas seu tolo,

O teu pai quer, porque quer

Ter um neto, ou uma neta,

Nem repara que ainda és criança.

 

Todavia sua majestade

Insistia,

Persistia,

E por fim decidiu.

Amanhã começamos à procura,

Pois, menino Ricardo,

É chegada a altura

De deixares de brincar com o rato.

 

Na manhã seguinte,

Ricardo

Desceu com decisão

A escadaria

Que ia para a sala de jantar.

Levava na mão a gaiola

E o rato com o laço amarelo.

Senhor meu pai,

Minha querida mãe,

Já que me querem casar

Aqui têm

A minha pretendida.

Dizendo isto Ricardo

Com toda a delicadeza

Pousou a gaiola e o rato

Numa cadeira, à mesa.

 

Que brincadeira é esta.

Pensas que isto é uma brincadeira?

Onde já se viu um Príncipe

Casar com um simples rato,

Que por sorte escapou da ratoeira?

Meus soberanos pais,

Não estou a brincar.

Por favor abri os olhos

E vede o que tendes à vossa frente.

E sem magia, mas com lucidez,

Os pais com olhar persistente

Viram para seu espanto

Aparecer sentada à mesa

Não o rato das brincadeiras

Mas uma menina airosa

De rara beleza.

  Zé Onofre

15
Fev23

Histórias de A a Z para aprender a ler e escrever - Livro II - O tio do Brasil

Zé Onofre

O senhor do castelo saiu

O SENHOR DO CASTELO SAIU.jpg

 

Nos tempos de antigamente,
Mas não antigamente assim,
Os senhores das Terras
Não eram santos,
Eram apenas homens distantes.

Porém, entre os não santos,
Apenas homens distantes,
Havia alguns que passavam de distantes,
Atingiam, alguns o escalão da ruindade,
Outros ainda atingiam o topo
O escalão da pura Malvadez.

A sua fama de terror
Espalhava-se por léguas em redor.
O temor era tanto,
Que havia alguém atento
Que seguia os passos
Do maldito.

Ao primeiro sinal
Dos portões se abrirem,
No vento corria o sussurro
Por todos os casebres e Casais,
Por todas as quintas e quintais
- O senhor do Castelo Saiu!

Todos os servos,
E não servos,
O mal sussurrado
- O senhor do Castelo saiu,
Ouviam, recolhiam-se
Aos seus lares,
Aos seus afazeres dentro de portas
Ou, na falta de tempo,
Mergulhavam
Nos campos cobertos de erva,
Milho ou centeio,
Suspendiam a respiração,
Suspendiam a vida.

Um dia por acaso,
Ou por destino,
Uma criança inocente,
Ignorante da maldade
De que os humanos são capazes,
Ao ver um lindo cavalinho
Galopando à desfilada
Saltou do campo ao caminho,
Sem nada saber dos perigos.

Os sussurros
Cada vez mais insistentes,
Cada vez mais alto bradavam,
Tremendo de medo no vento,
- O senhor do Castelo saiu!
A criança espantada,
Alheia de tudo
Esperava.

O castelão aproxima-se.
O cavaleiro puxa a espada,
Levanta-a.
Descarrega-a mortalmente
Sobre a criança.
Por milagre,
Ou por sorte,
O cavalo espanta-se,
O senhor desequilibra-se,
Cai.

O cavalo parte à desfilada.
A inocente criança
Aproxima-se do Senhor,
Toca-lhe no rosto.
O povo,
Lentamente medroso,
Vai.
Depois,
Aceleradamente curioso,
Chega ao local do acontecido.

Olham a criança.
Olhão o Castelão.
Após um silêncio,
Que pareceu uma eternidade,
Um grito uníssono,
Gritado ao vento, explodiu
- O senhor do Castelo caiu!

      Zé Onofre

12
Jan23

Histórias de A a Z para aprender a ler e escrever - Livro II - O tesouro do senhor Aires

Zé Onofre

O tesouro do senhor Aires

O TESOURO DO SENHOR AIRES.jpg

Quando era criança,

Contava o avô,

Conheci o senhor João,

Um velhinho de bengala,

Cabelo branco

A espreitar sob o chapéu preto.

Aos Domingos,

Sentava-se no banco do adro

À espera da pequenada

Que vinha para a catequese.

 

As crianças iam chegando

Uma a uma,

Outras em grupo,

E faziam roda à sua volta.

Quando estavam todos

Pediam,

Conte-nos uma história

 

A da velha, da cabaça e do lobo?

Não.

A da raposa dos três afilhados,

Iniciei-te, meei-te, acabei-te?

Não.

A da bota das sete léguas?

Já contou.

Qual?

 

Então o avô João

Começou

A verdadeira

História do tesouro do senhor Aires.

 

Aires

Era o rapaz dos sete ofícios.

Pedreiro,

Colmador,

Carpinteiro.

Porém, não era só,

O rapaz dos sete ofícios,

Era também

O rapaz das sete partidas.

 

Tanto estava aqui na aldeia,

Como andava lá por longe,

Sabe-se lá onde,

A fazer o que sabia

E o que inventava saber

E fazia

Como se o tivesse feito

Toda a vida.

 

Voltou na altura

Em que o senhor António da Quinta

Oferecia o tesouro

Que dizia haver

Num dos seus campos.

 

O Aires apressou-se logo

Para o grande achado.

Carrinho de mão,

Pá,

Enxada,

Picareta.

Assim se apresentou

Ao senhor António da Quinta,

Venho buscar o tesouro.

 

O tesouro que aqui há

Não se procura com esse material.

Aparecerá no bico da aiveca

Da pessoa que a manejar

Lá onde se esconde.

Aiveca, tenho eu  

Junta de bois também,

É começar a lavrar

Que o tesouro há de lá estar.

 

Começa por qualquer campo,

Pelo lado que mais jeito te der

E começa a lavrar.

Com o empenho que começou

Em pouco tempo estava tudo lavrado

Do tesouro

Nem recado, nem achado.

 

Ó Aires,

Já que a terra está toda lavrada,

Para não desperdiçar

Um trabalho tão bem feito,

Que me dizes a semear centeio,

Tu, eu e a cachopa?

Nada há a perder,

Para o ano recomeço

Que em algum torrão há de estar

O tesouro que mereço.

 

Ano após ano

Espiolhou a terra com a aiveca.

Assim foi ficando,

Mais tempo do que o apostado

Nas mesas da taberna.

O mais curioso

É que já nem o Aires sabia por que ficava,

Do rapaz dos sete ofícios,

Passou a homem dum ofício só.

Do rapaz das sete partidas,

Passou a homem,

O Aires da Quinta.

 

O tesouro Aires, aparece ou não?

Creio que sim sr. António.

As tulhas estão cheias de grão.

Bem vendidas

Bons cobres renderão.

Nos quintais da casa,

Há batatas, legumes,

Fruta variada

Muita coisa boa para se comer.

Um homem como eu,

Que mais pode querer.

Talvez uma mulher,

Enquanto,

Descaradamente olhava a bela mulher,

Que era agora a filha do senhor António.

 

Tens razão,

Encontraste o tesouro

E, para o completar,

Apenas te falta casar.

Se a rapariga quiser

Como tu já o deste a demonstrar,

Seria para mim grande alegria

Levar-ta ao Altar.

  Zé Onofre

01
Jan23

Dia de hoje 86 - Canto triste XV

Zé Onofre

                 86

023/01/01

Mais um ano se passou,

Neste cemitério retangular,

Onde nenhum fantasma se levantou,

Onde nenhum fantasma ousou cantar

A injustiça terrível que os sepulta

Com mentiras doces e nossa culpa.

 

Um novo ano vai começar

Neste cemitério florido

Onde os mortos-vivos vão chorar

O seu futuro há muito perdido.

Não se ouve uma única voz

A chamar à luta todos nós.

 

Um novo ano que se levanta,

Neste cemitério à beira-mar.

Feliz ano novo, a rua canta,

Como se tudo caísse do ar.

Nós, os morto-vivos, levianamente 

Festejamos como criança inocente.

   Zé Onofre

 

 

30
Dez22

Rebusco 6

Zé Onofre

               6

 

989/11/30

 

            I

 

Se eu fosse um pássaro

Era pequenino

Estava no quente

Do meu ninho

 

             II

Entra uma criança na escola

Com vontade de falar

Da sua vida.

 

Logo no primeiro dia

O silêncio fez-se.

Nada mais houve,

Para além de palavras sem sentido.

 

              III

 

De exercício em exercício

Matamos

A criatividade.

 

De exercício em exercício

Geramos

A monotonia.

   Zé Onofre

13
Dez22

Dia de hoje 81

Zé Onofre

              81

 

022/12/13

 

Nasceu,

Dizem,

Numa manjedoura,

Há dois mil anos,

Mais ano menos ano,

Uma criança.

 

Nasceu,

Dizem,

Na manjedoura de um curral

Depois de se fecharem todas as portas,

Para um casal cansado de longa viagem,

Cuja mulher

Se apresentava nitidamente grávida

Nos últimos dias.

 

Nasceu,

Dizem,

No curral

Onde dois dóceis animais,

Uma vaca pachorrenta

E um manso burro

Se aproximaram da manjedoura

E o cobriram de ternura.

 

Nasceu,

Dizem,

Ao som de coros universais,

De cantos de pastores

Que se recolhiam.

De joelhos caíram

Perante o milagre

Da vida.

 

Cresceu,

Dizem,

Em humanidade,

Inteligência

E sabedoria.

 

Adulto,

Dizem,

Que percorreu todos os caminhos.

Que andou por desertos

Por casais e aldeias,

Por vilas e cidades

Seguido por pescadores,

Cobradores de impostos,

Prostitutas e leprosos

E outros marginalizados.

 

Viu,

Dizem,

Tudo o que havia para ver.

Opulência.

Riqueza.

Miséria.

Opróbrio.

Violência.

 

Não gostou,

Dizem,

Do que viu.

Então,

Seguido pelos seus amigos,

Partiu a denunciar os desvios

E manipulação da Lei

Que os sumo-sacerdotes,

Os poderes políticos,

Os poderes económicos

Faziam em seu proveito.

 

Aquela criança,

Dizem,

Nascida em palhas

Bafejada por dois dóceis animais,

Um dia quis mudar o mundo

Com palavras

Ilustradas por actos.

 

Crucificaram-no na cruz,

Dizem,

Como um vulgar criminoso.

É assim

Que os poderes instituídos

Tratam quem ousa

Atravessar-se no seu caminho.

 

Hoje,

Passados dois mil anos,

Mais ano, menos ano,

Lembramos como grande

Aquele dia.

O dia em que um casal

Apenas encontrou abrigo num curral.

Onde uma criança

Acabou por nascer nas palhas

De uma manjedoura.

 

Lembramos

Aquele dia

Desejando

Um novo mundo, melhor,

O fim da Guerra,

O fim da Fome,

Um mundo de Paz,

Um mundo de Liberdade,

Um mundo de Igualdade,

Um mundo de Fraternidade.

 

Talvez cheguemos lá um dia,
Talvez.

Quando houver menos Cristãos
E mais seguidores de Cristo.


Talvez cheguemos lá um dia,
Talvez.
Quando toda a Humanidade
Acreditar
Que nada é de ninguém
E que todos têm direito a tudo.

Talvez cheguemos lá um dia,
Talvez.
Chegaremos lá?
Como chegaremos lá?
Não sei.


Talvez cheguemos lá um dia,
Talvez.

Zé Onofre

25
Jan22

Por aqui e por ali 46

Zé Onofre

                46

 

988/__/__, Escola de Portela, Aboim AMT

 

Chegaram os palhaços

Pintinhas,

Rosca Mole

Cantaram,

Foram proibidos.

Riram,

Foram proibidos.

As crianças riram.

Chegaram os palhaços

Fizeram rir

Por terem piada,

Ou deles,

Mas cumpriram,

Fizeram rir.

 

E o Pintinhas.

É palhaço,

Ou é criança?

Pintinhas faz-tudo,

Faz rir,

É palhaço.

Arruma,

É arrumador.

Vende,

É vendedor.

Estica o prato…

 

Os palhaços

Vieram

Para as crianças, Pintinhas.

Só não vieram para ti.

Zé Onofre

29
Dez21

Por aqui e por ali 31

Zé Onofre

               31

 

986/01/06, confeitaria Mário, Amarante

 

Enquanto o manto cinzento

Cobre o tempo.

Enquanto as árvores nuas

Despem a terra

Vou dizendo

A minha angústia de saudades de criança.

 

Enquanto o cinzento

Cobre o arco-íris do Verão.

Enquanto as árvores nuas

Sonham a Primavera,

Construo sonhos ao entardecer.

       Zé Onofre