Histórias de A a Z para aprender a ler e escrever - Livro II - Vida selvagem
VIDA SELVAGEM
À hora do jantar,
O pai do Joel
Gostava de falar,
Talvez mais lamentar,
Os tempos em que fora criança.
Quando
Os ribeiros e os montes,
Os campos e as fontes
Eram cheios de vida.
Do canto das aves,
Dos grasnares e dos chilreios,
Dos chiares e regougares
Nos campos e nos montes.
Ver,
A caminho do trabalho,
Os gaios e as pegas,
Os melros e os pintassilgos,
Os pardais e os piscos,
As carriças e os papa-figos,
As milheiras e os pintarroxos,
As gralhas e os corvos,
Os petos e os tordos,
Os cucos e as poupas,
As boieiras e as andorinhas,
Os patos selvagens,
As rolas e os pombos.
Ver saltar à sua frente,
Os coelhos e as lebres,
A assustadiça raposa,
Os esquivos texugos,
As pequenas doninhas,
As perdizes
E, à beira rio
As tontas lontras.
A tristeza,
Continuava o pai do Joel,
É que quase tudo desapareceu,
Acabou-se a alegria
Que havia em abundância
Na natureza.
E o seu assassino
Tem nome
O Homem
Na sua face de ganância.
Usamos pesticidas,
Adubos químicos.
Matamos as abelhas,
Destruímos os solos,
Convencidos
Que estávamos a fazer o bem.
As fruteiras a produzir mais,
Aumentar a rentabilidade do centeio,
Espigas maiores no milho,
A fertilidade dos batatais.
A fartura foi tanta,
Que embalados pela canção,
Quanto mais, mais
Só tarde reparamos
Que as andorinhas desapareciam
Dos beirais,
Todas as aves,
Toda a vida selvagem
A pouco a pouco já não se viam.
Apesar disso
A terra continuava a não dar pão.
E os menos afortunados
Foram procura-lo noutro chão.
Com voz dorida,
O pai do Joel
Continuava o rol das lamentações.
Os campos, sem braços,
Foram invadidos pelos montes,
A bicharada regressou,
Em menor número
Mas já não encontrou
Quem lhes apreciasse a vida.
Olha em volta, Joel,
Onde agora desponta o vermelho dos telhados,
Quando fui da tua idade
Despontavam cores
Em grande variedade.
Era o verde nascente da Primavera,
O verde maduro do Verão,
O arco-íris do Outono,
A cor triste do Inverno
Nos troncos nus de muitas árvores.
Certos anos o Inverno,
Para nos dar alguma alegria,
Embranquecia as folhas que restavam,
Os troncos nus que se erguiam,
E quando se despedia
Deixava pingentes de gelo
Que ao sol de Inverno
Brilhavam como diamantes.
Joel,
Que já gostava de gastar passos,
Pelos Campos e pelos montes,
Mergulhar os pés nus
Nas águas frias dos regatos.
Agora, quando o fazia,
Não via o que via,
Via o que o seu pai via,
Quando como ele fora criança,
E sentia as lágrimas
Que a nostalgia lhe punha na voz.
Um dia foi às compras,
À loja da aldeia
E ouviu os homens,
Que bebiam um copo,
No tasco que ficava nas traseiras,
Falarem num malvado javali
Que lhes dava conta das colheitas.
Pois faça-se uma batida ao maldito
No próximo Domingo
E está o caso resolvido.
Joel
Ouviu com tristeza
Aquela novidade.
Quanto mais pensava no assunto,
Mais desesperado ficava
Com tamanha maldade,
Que, sem pensar,
Iria matar um dos animais
Que ainda vivia
Nos meios naturais.
Joel,
Com as saudades do seu pai na cabeça,
Tornara-se amigo de todos os bichos,
Conhecidos e desconhecidos,
Até mesmo das arrepiantes abelhas,
Vespas e besouros,
Que só de vê-los,
Lhe eriçavam os cabelos.
Resolveu conhecer o javali
Numa noite de luar.
Saiu de casa depois do jantar,
E foi esperá-lo
Encostado a um velho sobreiro
Que limitava uma clareira,
Por onde o javali haveria de passar.
Ali esteve o que lhe pareceu
Um tempo sem fim,
Decerto nem uma hora estivera,
Contudo o javali apareceu
E bem valeu a espera.
Era assim a modos que um porco,
Com dois dentes
Parecidos com os dos elefantes,
Pelo hirto e preto,
Com as pontas acobreado,
Fuçando o solo,
Como se não houvesse depois,
Nem tivesse havido antes.
Na véspera da batida,
Chamou os amigos para a aventura.
Lá foram todos,
Calados e silenciosos,
Até à tal clareira.
Quando chegaram
Já o Javali fuçava com gosto.
Foi então,
Que o Joel e os amigos,
Romperam numa barulheira
Que até as pedras ensurdeceram.
O javali espantou-se de tal maneira
Que a correr entrou no rio
Foi fuçar para a outra margem.
Joel estava feliz com o que fez,
Salvara o Javali,
Pelo menos daquela vez.
Zé Onofre