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Notas à margem

Textos escritos em cadernos, em guardanapos, em folhas encontradas ao acaso, sempre a propósito, nunca de propósito. isto é "vou escrever sobre isto". Não é assim que funciono.

Textos escritos em cadernos, em guardanapos, em folhas encontradas ao acaso, sempre a propósito, nunca de propósito. isto é "vou escrever sobre isto". Não é assim que funciono.

Notas à margem

15
Fev22

Por aqui e por ali 57

Zé Onofre

                   57

 

989/06/22

              I

Assumamo-nos

Hipócritas do futuro

Cínicos do presente.

 

Assumamo-nos!

 

Sejamos o que somos

Ignorantes

(e ignorados)

Atores de uma peça

Por escrever.

 

Assumamo-nos!

 

Flores mortas

No cemitério da pedagogia

E não seres em crescimento

Nos jardins da vida.

                  II

Violência,

É o sonho nos bairros de lata.

Não são os bairros de lata.

 

Violência

É sonhar com dias melhores.

Não são os dias maus.

 

Violência

É sonhar com o impossível

Quando o possível está por fazer.

  Zé Onofre

23
Jan22

Por aqui e por ali 45

Zé Onofre

              45

 

Enquanto é tempo

 

sd, escola da Portela, Aboim, AMT

 

Foram tantos

Dias

Tantas horas …

 

Uns foram

Alegria pura,

Outros

Verdadeiros pesadelos.

 

Foram tantos

Dias

Tantas horas …

 

Sempre a tentar

A pensar

– Como fazer bem?

Como fazer melhor?

 

Foram tantos

Dias

Tantas horas …

 

Umas vezes

Juntos voamos

Para além do tempo.

Outras

Ficamos

Muito aquém do possível.

 

Foram tantos

Dias

Tantas horas …

 

Antes

Que a voragem

Do tempo

Apague o que de bom

E mau

Vivemos

Aqui ficam estas páginas …

 

Enquanto é tempo …

Zé Onofre

26
Out21

Penafiel 70

Zé Onofre

                  70

 

___/04/978

 

Quero cantar

Os gitos 

Feitos pedras

Nos dias abjetos

A que chamamos viver.

 

Quero cantar

Hoje

Não as prostitutas

Os operários,

Os bairros de lata,

As crianças abandonadas,

Os velhos dos bancos do jardim.

 

Quero apenas cantar

Os humildes

Que vivem na sombra

Dos telhados

Das casas mortas.

 

Quero cantar

A mulher feita objeto,

Corpo de prazer,

Jarra, ornamento.

 

Quero cantar

Aquele homem

Que vive de terra em terra,

Sem terra,

Sem casa,

Que morre

Nas bermas da opulência.

 

Quero cantar

Aquele vagabundo

Que bebe

Estrelas de luar.

 

Quero cantar

As flores do jardim,

As estrelas,

O sol,

A solidão,

Companheiros

De quem morre em vida.

    Zé Onofre

13
Set21

Penafiel 27

Zé Onofre

            27

 

10/06/976

 

São longos os dias.

São curtos os espaços.

Duradouras as alegrias

Forjadas no aço.

 

Os dias são longos,                 

Mas as horas curtas.

Os minutos não existem,

Os segundos são raros.

Segundos são os tempos de vida

Na vivência do Homem.

Nem dias, nem horas

Eu quero hoje.

Só segundos

Contados um a um

De menos infinito

A mais infinito.

   Zé Onofr

17
Ago21

Souto 38

Zé Onofre

                        38

 DEZ/973 – JAN/974.

 NOS DIAS QUE PENSÁVAMOS SEREM ETERNOS

 [Cantada por Mary Hopkin, em 1968)

“Naquele tempo havia um BAR

Onde íamos beber um copo ou dois

Lembrar como ríamos horas seguidas

E sonhávamos as grandes coisas que faríamos

Naqueles dias meu amigo

Que pensávamos serem eternos”

[Tradução livre, por Zé Onofre]

                  I

                 1

     Janeiras, 1973

Atenção minha gente

Que nós aqui chegamos.

Cantando, alegremente,

Feliz Ano Novo, desejamos.

 

Muda o ano, muda a vida,

Sempre assim ouvimos dizer.

A esperança não é perdida

Mensagem que vimos trazer.

 

Mas um aviso apenas

Tal por si só não acontece.

É Preciso quebrar as algemas

Que o vosso ser adormece.

 

Venham vindo, venham vindo

Que estamos já a acabar

Estão sendo horas de ir abrindo

As portas de par em par.

    Zé Onofre

 

 

15
Ago21

Souto 34

Zé Onofre

              34

 18/05/975

 Nos dias chuvosos, longos, cinzentos,

Em que toda a vida é parda.

Nos dias longos de chuva e frio,

Em que toda a vida é cinzenta,

Em que os homens se fundem

No cinzento dos dias,

A vida é nada.

 

Nestes dias de sol amortalhado

Sinto em mim, nada.

A chuva cai, calma, serena

Indiferente ao céu de ontem, azul.

Envolve de humidade a natureza,

A mim de sem vontade.

Navego,

Entre o cinzento e o azul

À procura de não sei o quê,

Nem de onde o procurar.

   Zé Onofre

08
Ago21

Souto 26

Zé Onofre

           26

 21/02/975

                    I

Os dias não são eternos,

Mas são longos os minutos.

Nós é que fazemos o tempo.

O tempo encurta-se,

Alonga-se

À cadência dos anseios,

Dos desejos,

Das ilusões desiludidas.

                     II

Os dias não são eternos,

Mas são longos os minutos.

Longos, longos, longos.

Num minuto tudo se decide,

O viver e morrer

O tudo e o nada.

Tudo decisões de um minuto.

                   III

Os dias não são eternos,

Mas os minutos são longos.

Quanto mais longos,

Mais curtos os dias,

Menos eternos

                   IV

A vida mede-se

Pelo tempo vivido

Entre um minuto e outro minuto.

Entre esses momentos

Apagam-se os dias,

Anulam-se os anos,

Tudo se anula.

                 V                                                  

De repente acordamos,

O minuto arredonda-se

Em menos de um instante.

Os dias não são eternos,

Mas os minutos são longos.

         Zé Onofre

06
Ago21

Souto 23

Zé Onofre

            23

11/02/975

 São eternos os dias?

São longos os minutos?

São instantes vividos.

São momentos vividos

Em tempos desiguais.

São momentos

De perguntas banais,

De respostas inesperadas,

Bons ou maus,

Os instantes que me imortalizarem,

Ou não,

Têm a minha assinatura,

Ninguém poderá usurpá-los.

Com estes momentos plenamente vividos,

Gravados com os gestos,

Com as palavras

Que dirão ao tempo e ao mundo

- Foram vividos por mim,

Com a minha liberdade

Por minha vontade

Livre de peias e amarras,

Sem censura que os tenham impedido.

   Zé Onofre

03
Ago21

Souto 19

Zé Onofre

              19

05/12/974

               I

 Procurei-me,

Um dia,

No espelho dos outros.

Apenas encontrei

O que de mim deixo ver.

Não consigo observar,

Pormenorizadamente,

O por desvendar,  

Se os escondo frente ao espelho.

Isto é uma constante

De ano que se sucede a outro ano

Dos dias sem fim

Até que algo morra

E caia na sua cova.

E desse buraco fundo,

Do fosso da inconsciência

Surjam novas contingências,

Novas probabilidades,

Novos factos

De que nasça

Um novo homem em construção.

                       II

Hoje

Dia em que escrevo

Estas mal pensadas palavras

Ficará expresso

O que fui,

Já não sou,

Um futuro eu

De que não conheço rota

Nem coordenadas,

Portanto irrealidade.

Se me observo

Desastre de mim mesmo,

Serei tudo,

Menos este

Que escrevo.

   Zé Onofre