Histórias de A a Z para aprender a ler e escrever - Livro II - O tio brasileiro
O tio do Brasil
Às vezes o Toninho,
Pai dos meus amigos
De brincadeira e asneira,
Falava do irmão que partira,
Jovem, para terra brasileira.
Um dia, há hora do jantar,
Ou talvez da ceia,
Um vulto à porta parou.
À luz ténue da candeia,
António olhe quem chegou.
Irmão há tanto tempo partido,
Senta-te à mesa, pega um prato,
Sempre chega para mais um.
Não repares no fraco trato
Chegaste sem aviso algum.
Nos primeiros dias espiávamos
O tio. Achávamos o seu falar
Doce, cantante, tão diferente.
A certa altura só sabíamos estar
Com ele. Éramos a sua gente.
Conviver com ele era uma aventura
Constante. Tinha cá uma imaginação.
A quinta do Eido era uma festa.
Nunca houve tanta animação,
Com o tio sempre à testa.
Na aldeia, o “quinze de agosto”,
Era dia de festa à Senhora.
Na véspera a procissão de velas
Era a atividade iniciadora
De uma noite sem cancelas.
Pois naquele ano seria único.
A noite daquele ano será
Lembrada como a do balão
Que da eira do Eido ao céu subirá
Para iluminar a procissão.
Já vem, gritam os sobrinhos.
O tio vê o balão começar a ceder
O vento faz a palha a arder incerta.
O balão eleva-se já com a boca a arder.
O tio desolado a cabeça aperta.
Andou arredado alguns dias,
Sentia-se mesmo envergonhado.
Um dia acordou com um sorriso
A brilhar na boca de lado a lado,
Era a que se pode chamar de aviso.
Onde guarda os frutos do meloal?
Não guarda? Isso é forte asneira
Eu e os mininos faremos um palheiro
Ali, num cantinho perto da sua eira.
Vai ficar com meloal o ano inteiro.
Melões e melancias iam lá amadurecer,
Porém os sobrinhos, à luz do luar,
Anteciparam-se, estragaram e comeram.
Tremeram quando viram o cinto no ar.
O tio, ”qui adianta, eles já não voltam.”
Não se deu por vencido o tio brasileiro.
Um dia acordou a perguntar,
O trabuco de carregar pelo cano?
Mininos! Não teve de novo chamar.
Já sabíamos, há aventura sem engano.
Vamos mininos, vamos aos pombos.
Na eira, numa tábua espalhamos milho.
Num dos topos fixamos a arma bem,
Com um fio longo atado ao gatilho.
Era esperar que os pombos poisassem
Escondidos em silêncio no beiral.
Os pombos lá do alto veem a mesa
Farta na eira do Eido. Mudam de rumo.
O tio puxa o gatilho, pum, ao ver a presa,
Na eira do Eido ficou uma nuvem de fumo.
A partida do tio para o Brasil,
Foi de nos partir o coração.
Na eira da quinta do Eido pairou,
Uma sombra. Sabíamos que um verão
Como aquele foi um sonho que acabou.
Zé Onofre