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Notas à margem

Textos escritos em cadernos, em guardanapos, em folhas encontradas ao acaso, sempre a propósito, nunca de propósito. isto é "vou escrever sobre isto". Não é assim que funciono.

Textos escritos em cadernos, em guardanapos, em folhas encontradas ao acaso, sempre a propósito, nunca de propósito. isto é "vou escrever sobre isto". Não é assim que funciono.

Notas à margem

27
Mai22

Por aqui e por ali 136

Zé Onofre

                   136

 

015/05/22, Colégio da Formiga, Ermesinde

 

Aqui estou

De visita a mim mesmo, outro.

Aqui estou

A olhar o que fui,

Naquilo que sou.

Olho sem olhar,

Vejo sem ver,

Ouço sem ouvir,

O que os sentidos agora sentem

Ao ver este espaço tão diferente.

Procuro entender

Onde estão os passos que dei.

Dei?

Onde os sonhos que vivi.

Vivi?

Onde as conversas que tive.

Tive?

Onde os carvalhos que os abrigaram?

Olho e não vejo o que vejo.

Olho e não vejo o que vi.

Assisto a um tempo parado

Que ficou lá atrás.

Estou aqui fora do espaço,

Parado no tempo

De visita a mim mesmo.

     Zé Onofre

20
Mai22

Por aqui e por ali 129

Zé Onofre

               129

 

011/03/21, Biblioteca, EB2.3, Vila Caiz

 

Vindes

Folhas desgarradas,

Perdidas das origens,

Sem rumo nem destino.

 

Que ventos vos trouxeram?

 

Vindes

Folhas caídas,

Arrastadas no vento,

Num tempo que não viveis,

Para um espaço que vos recusa.

 

Que sonhos, sonhais

Neste rodopiar?

Que pesadelos viveis,

Neste poiso que não escolhestes?

Zé Onofre

16
Abr22

Por aqui e por ali 95

Zé Onofre

              95

 

996/02/23, acção de formação no Colégio S. Gonçalo. Amarante

 

No princípio era a tribo

E na tribo se fazia gente.

E a tribo era o espaço todo,

E a tribo era o tempo.

Havia o tempo e o espaço.

Havia a vida e o sonho.

 

Depois foi a cidade

E foi o campo.

Na cidade o espaço foi partido,

E o tempo encurtou.

O campo foi medido

E o tempo passou de sol a sol.

 

Na cidade foi o comércio,

O tempo contado,

O espaço diminuiu.

No campo foram as várias culturas,

O espaço foi contado.

O tempo diminuiu.

 

A cidade cresceu

As ruas apertaram

Os bairros nasciam

O espaço cada vez mais despedaçado,

O tempo cada vez mais controlado.

No campo a produção aumentava,

Nasciam os armazéns das sobras,

Os homens aumentavam

O espaço foi organizado,

A água dividida,

O tempo controlado.

 

Na cidade aumentavam 

As oficinas, e as oficinas eram escolas.

Na cidade aumentava o comércio,

Nascia a palavra escrita e o número,

E o comércio era a escola.

Da cidade partiam barcos,

À cidade chegavam barcos,

Nascia o tempo mecânico,

E os portos e os barcos eram a escola

 

Lentamente

As oficinas,

O comércio,

Os portos e os barcos,

Deixaram de servir de escolas,

Pois não respondiam

Aos problemas do dia-a-dia

Cada vez mais complicado.

E nasciam as escolas

Que ensinavam com o conhecimento

De experiência feito.

 

Havia ainda espaço e tempo de, e para a vida.

 

Finalmente a escola educativa, formativa.

Sem espaço e sem tempo,

Com salas a correr por corredores,

Com tempo escasso para as apanhar.

Espaço-tempo medido

Em fracções mínimas de espaço-tempo.

Lugar de passagem sempre p’r’à frente,

Que é preciso passar velozmente sem repouso.

 

A escola tornou-se um corpo estranho à vida.

Às vezes desabrocha em pérolas

Corpo estranho à escola que as enquista e cerca.

Zé Onofre

03
Out21

Penafiel 52-53

Zé Onofre

                 52

 

09/12/977

 

Não sou poeta

Do nada.

Não sou poeta

Do tudo.

Sou apenas cronista

Do tempo que passa.

Zé Onofre

                 53

 

10/12/977

 

É longo o tempo?

É curto o espaço?

É apenas vento

No intervalo

De um espaço.

 Zé Onofre

08
Set21

Penafiel 18

Zé Onofre

         18

09/05/976                

 Olá!

Viva loucura

Do tempo que passa,

Viva!

Olá!

Viva a loucura

Do espaço que está.

Viva!

Olá!

Viva a loucura

Dum tempo

Dum espaço

Viva!

Olá!

      Zé Onofre

11
Ago21

Souto 30

Zé Onofre

30

 20/03/975

 Hoje,

Não é hoje,

São mil dias contidos

Numa vontade de quererem ser hoje.

 

Hoje, são milhões de anos

A nós trazidos, a nós agarrados

Por outros hoje, que não foram hoje,

Mas milhões de dias contidos

Numa vontade de quererem ser hoje.

 

Hoje, é uma eternidade

De milhões de hoje.

Hoje que foram milhões de anos

Todos aqui trazidos, a nós colados,

Com outros hoje que não foram hoje,

Que foram milhares de hoje contidos,

Numa vontade de querer ser hoje.

 

Hoje, é o grito da humanidade

Que ao longo de milhões de séculos

Tem evoluído de hoje em hoje,

Que têm sido uma eternidade

De milhões de hoje

Que foram milhões de anos

Aqui trazidos e acorrentados

Nos outros hoje

Que não foram hoje

Que foram mil dias contidos

Numa vontade de quererem ser hoje.

 

Hoje

É o som dum cristal,

Que, sem espaço para cristalizar,

Resolveu nascer amiba,

E iniciar a vida

Que por caminhos imprevisíveis,

Com uma infinidade de contradições

Viu surgir o bicho Homem

Que hoje

Se tenta libertar,

Que tem vindo a descobrir

Que num hoje qualquer

Na plenitude do tempo,

Na largueza do espaço,

Acabará por cristalizar.

  Zé Onofre

02
Jul21

Souto 4

Zé Onofre

4

04/07/972

É noite.

Noite e solidão.

Nada de novo,

Sem movimento

Tudo estagnado.

Quero ritmo,

De loucura,

De amor,

Ou de paz.

Quero ritmo

Sem angústias,

Ou lamentações,

Sem tristezas.

Cansado de escrever palavras

Que vão,

Que veem,

Que em círculo fechado rodam.

Palavras

Que vão,

Que veem

Condenadas a carregar

Uma carga,

Eternamente

À procura

Da estabilidade.

Criar ritmos novos

Que me levem

Desta solidão,

Das recordações

Que me impedem de criar futuros impossíveis,

De fugir deste inferno,

De “quem não encontra a vida,

Achará apenas a morte”.

Estou cansado

De curtos circuitos,

Círculos de fogo,

Que me encurralam

Nas prisões do passado,

Queimam

As passagens, para o futuro.

Quero novos ritmos,

Que sejam de indiferença,

De hinos execráveis,

De palavras sem sentido,

Mas que levem a caminhos diferentes.

Quero novos ritmos,

Que só na aparência

Sejam de alegria,

Que de amor

Sejam só palavras,

De amor,

Apenas gritos ao vento.

E se voltasse aos meus castelos,

São de cartas,

Sejam de cartas.

São de areia,

Sejam de areia.

Desfazem-se à mais fina aragem,

Pois que se desfaçam,

Em aves de papel

Em figuras de pó.

Quero regressar ao meu jardim

De onde tudo

Me roubaram,

Onde me perdi.

Num caminho longo,

Num caminho curto,

Ou por veredas desconhecidas.

Percursos vividos sem norte,

Em passos desatinados,

À deriva do tempo,

À deriva no espaço.

Quero partir esta solidão,

Cortar os laços com que amarrei,

O meu próprio rumo.

Quero despedaçar

A rede que teci

Em que me enredei.

Fugir.

Mais uma vez fugir?

  Zé Onofre