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Notas à margem

Textos escritos em cadernos, em guardanapos, em folhas encontradas ao acaso, sempre a propósito, nunca de propósito. isto é "vou escrever sobre isto". Não é assim que funciono.

Textos escritos em cadernos, em guardanapos, em folhas encontradas ao acaso, sempre a propósito, nunca de propósito. isto é "vou escrever sobre isto". Não é assim que funciono.

Notas à margem

01
Nov21

Daqui e por ali 2

Zé Onofre

                    2

 

1979/11/14

 

Mulher

Nossa irmã

Companheira.

Fizemos-te

Objeto,

Adorno,

Enfeite,

Propriedade,

Jarra florida.

Mãe,

Esposa,

Amante.

Mulher,

Minha irmã

Companheira.

Mulher,

Cidadã.

 

Só,

Emoldurada numa casa,

Abandonada,

Retirada da vida.

Roubamos-te a vida

A ti

Que dás a vida.

Roubamos-te a existência,

Tu

Que és existência.

Proibimos-te

A vida,

O ser,

O existir.

Amarramos-te,

Tu

Que és a liberdade.

Mulher

Não és sacrifício,

És cidadã.

 

Isolada,

 Fantasma  do passado,

Medo,

Sacrifício,

Recusa,

Abandono,

Doação.

Mulher

És cidadã.

Mulher,

Minha irmã,

Companheira.

 

Lixeira,

Essa solidão em que vives.

Lixeira,

Essa distância em que ficas.

Lixeira,

Essa lonjura do mundo.

Lixeira,

Esse fundo com que te confundes.

Lixeira,

Essa jarra que maquinalmente arranjas.

Lixeira,

A espera que fazes todos os dias.

Lixeira,

Esse tempo que vives adormecida.

Lixeira,

O desinteresse com que te entregas.

Lixeira,

Essa tua voz conformada.

Lixeira,

A cabeça que manténs baixa.

Lixeira,

A tua humanidade ofendida.

Lixeira,

A humilhação a que te sujeitamos.

Lixeira,

A tua vida de sujeição.

 

Flor

Serás, um dia.

Tu mesma,

Plena,

Humanizada.

Mulher,

Flor

Serás, amanhã.

  Zé Onofre

 

09
Ago21

Souto 27

Zé Onofre

             27

22/02/975

          I

Vivem-se dias,

Milhentos dias

Num intervalo de um só minuto.

Horas, dias, meses, anos

Apenas tempos de existência,

Em que o existir

Prevalece sobre a vida

                 II

Horas, dias, meses, anos

Intervalos

Entre os minutos da vida.

Tudo se cumpre num minuto

A vida e a morte,

O tudo e o nada.

Cada minuto de vida

Prolonga-se infinitamente.

Entre um e outro,

Dias, meses, anos

De existência incolor.

                   III

A existência

Só será vida

Se vivida todos os minutos

Com razão,

Com imaginação,

Com aventura

E imprevisto.

          IV

Viver dia

Após dia

Seguido de outros dias

Meramente por viver,

Porque se respira.

Saber que o amanhã

É um tempo depois de hoje

É a vida feita fóssil.

            V

A vida

É o imprevisto que nos aguarda

Na esquina de cada minuto,

A vida é saber

Encontrar o desconhecido

Que se nos depara a cada minuto,

Assumi-los sem receio,

Sem hesitações,

Fazer de cada um daqueles minutos

O primeiro e o último

E depois o nada.

       Zé Onofre