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Notas à margem

Textos escritos em cadernos, em guardanapos, em folhas encontradas ao acaso, sempre a propósito, nunca de propósito. isto é "vou escrever sobre isto". Não é assim que funciono.

Textos escritos em cadernos, em guardanapos, em folhas encontradas ao acaso, sempre a propósito, nunca de propósito. isto é "vou escrever sobre isto". Não é assim que funciono.

Notas à margem

11
Ago21

Souto 30

Zé Onofre

30

 20/03/975

 Hoje,

Não é hoje,

São mil dias contidos

Numa vontade de quererem ser hoje.

 

Hoje, são milhões de anos

A nós trazidos, a nós agarrados

Por outros hoje, que não foram hoje,

Mas milhões de dias contidos

Numa vontade de quererem ser hoje.

 

Hoje, é uma eternidade

De milhões de hoje.

Hoje que foram milhões de anos

Todos aqui trazidos, a nós colados,

Com outros hoje que não foram hoje,

Que foram milhares de hoje contidos,

Numa vontade de querer ser hoje.

 

Hoje, é o grito da humanidade

Que ao longo de milhões de séculos

Tem evoluído de hoje em hoje,

Que têm sido uma eternidade

De milhões de hoje

Que foram milhões de anos

Aqui trazidos e acorrentados

Nos outros hoje

Que não foram hoje

Que foram mil dias contidos

Numa vontade de quererem ser hoje.

 

Hoje

É o som dum cristal,

Que, sem espaço para cristalizar,

Resolveu nascer amiba,

E iniciar a vida

Que por caminhos imprevisíveis,

Com uma infinidade de contradições

Viu surgir o bicho Homem

Que hoje

Se tenta libertar,

Que tem vindo a descobrir

Que num hoje qualquer

Na plenitude do tempo,

Na largueza do espaço,

Acabará por cristalizar.

  Zé Onofre

21
Jul21

Souto 16

Zé Onofre

             16

 18/11/974

I

Perco-me

Na memória de mim

E na dos outros.

Não sei se nasci ontem

Se nasci hoje

Se estou ainda por nascer.

Faço-me

Hoje,

Todos os dias,

Marco de mim mesmo.

Ora sou ontem,

Ora me futuro amanhã.

Perco-me

Na memória de mim

E na dos outros,

Todos os dias

Me construo diferente.

Imagem sonhada,

Ou moldada

Pelo meu querer inconsciente.

A memória de mim

É sempre alterada

Pela memória dos outros.       

                      II

Sendo eu,

Ou sendo outrem,

Não importa,

Seja ou o que for

As ilusões nascem-me como cogumelos.

Também a saudade

- Sempre a mesma palavra –

Se veste de recordação do passado,

Ora se enfeita de recordação do futuro,

Ou memória

Do que se não fez

E já não se pode fazer,

Ou esperança de encontrar

O que sequer se imaginou.

Saudade,

Que me prende ao passado,

Que me faz reviver o que fui,

E doentiamente o que não fui.

                     III

Sempre.

Procura permanente

De formas diferentes

De uma solução

Que crio,

Recrio,

Invento,

Destruo,

Endeuso,

Construo

E destruo.

A minha memória,

Factos de derrota,

De incertezas,

Desesperança de vencer.

A memória

Que me diz

Sentimental,

Rude,

Sensível,

Grosso,

Inteligente

E ininteligível.

       Zé Onofre