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Notas à margem

Textos escritos em cadernos, em guardanapos, em folhas encontradas ao acaso, sempre a propósito, nunca de propósito. isto é "vou escrever sobre isto". Não é assim que funciono.

Textos escritos em cadernos, em guardanapos, em folhas encontradas ao acaso, sempre a propósito, nunca de propósito. isto é "vou escrever sobre isto". Não é assim que funciono.

Notas à margem

23
Mar23

Dia de hoje 91 - Canto triste XVII

Zé Onofre

91

 

023/03/23

 

Canto triste XVII

 

 Há coisas difíceis de aceitar

Que tu, jovem, sem razão

Aceites, sem tentar perceber,

A missão de morrer e matar,

Dares-te em carne para canhão.

Tanta vida para não se viver

 

Que loucura é essa,

Que loucura é essa

Que trazes na cabeça

Que só te serve para morrer,

Que não te deixa viver.

Que loucura é essa, jovem,

Que loucura é essa, jovem,

Que serve a ambição de outros

Que para ti nada tem.

Que loucura é essa, jovem.

Que loucura é essa, jovem.

Que loucura é essa, jovem

 

Não me digas que não queres saber

Quando as mortes se sucedem,

Não me digas que não vês

Os mortos que se estendem

E o vermelho de sangue nas bermas da vida.

Não me digas que não queres saber.

  Zé Onofre

19
Ago22

Histórias para aprender a ler e escrever - Livro I - O monte do Pastor

Zé Onofre

Monte do Pastor

 

O MONTE DO PASTOR.jpg

 

Há, numa aldeia,

Perdida das estradas

Mais conhecidas do país,

Um monte a que chamam

O monte do Pastor.

 

É um lugar calmo,

Verdejante,

Onde no verão

Corre uma aragem fresca

Que convida as crianças

Para as suas inocentes brincadeiras.

 

Lá, no cimo do monte,

Há um penedo

Que o tempo e o vento

Moldaram em forma de lobo.

 

Um lobo a chorar.

Dos buracos dos olhos,

Dois fios de água,

Escorrem pelo focinho.

É ali que nasce o ribeiro da aldeia.

 

Ora, conta-se que em tempos antigos

Um rei poderoso e malévolo

Se apaixonara pela princesa Uiara,

A sereia das águas doces.

 

O rei poderoso e malévolo

Pediu princesa Uiara em casamento.

Não,

Estou noiva do Príncipe Pastor.

 

Furioso, o malévolo rei

Foi ter com o Príncipe Pastor.

Exigiu-lhe,

Ameaçando-o,

Que desfizesse o noivado com Uiara.

 

O poderoso e malévolo rei

Arrastou o príncipe Pastor

Até à princesa Uiara

E ordenou-lhes que se separassem.

Não, disseram os dois à uma.

 

O rei ficou tão dentro da sua malvadez

Que enviou o Príncipe Pastor para a lua,

Agarrou a linda Uiara nos seus braços

E transformou-se em cabeça de lobo.

A princesa começou a chorar.

A água que escorre do penedo

São as suas lágrimas tristes.

 

Passados muitos anos,

Um jovem desconhecido

Passou pelo penedo. 

Sequioso encostou os lábios

Para beber a água fresca que corria.

 

Nesse preciso momento

Ouviu-se um forte uivo,

Do rei-lobo

Que sentiu que aqueles lábios

Vieram para libertar a Uiara.

 

Foi tão forte e tremendo o uivo

Que o penedo abriu uma fenda.

Pela fenda saiu Uiara.

De mão dada foi com o jovem desconhecido.

Pela fenda continua a jorrar água,

As lágrimas aprisionadas

Que o uivo libertou.

 

Desenvolvimento

 

Frase – Ex.: O uivo do lobo libertou a princesa Uiara.]

 

Proceder como nos textos anteriores

05
Out21

Penafiel 54

Zé Onofre

                 54

 

09/01/978

 

Pediram-me que falasse da vida.

Aqui estou para a dizer

Em palavras duras, cruas,

Que são difíceis de receber.

 

Pediram-me que falasse da vida.

Aqui estou para a dizer

Através de figuras cruas

Do nosso difícil de viver.

 

Aproxima-te

Ó mulher prostituída

Dos verdes anos sem viço.

 

Aproxima-te

Ó velho reformado

Dos bancos do jardim.

 

Aproxima-te

Ó criança trapo

Do bairro de lata.

 

Aproximai-vos e gritai.

Grita,

Mulher prostituída

O teu sexo frio.

 

Grita,

Velho reformado,

Os teus anos gastos

De miséria pura.

 

Grita,

Criança,

A tua fome milenar.

 

Vinde,

Saí da penumbra.

 

Sai,

Mulher prostituída,

Da sombra do teu viver obscuro.

 

Sai,

Velho reformado,

Do banco gasto do jardim público.

 

Sai,

Criança trapo,

Dos farrapos do teu já cansado viver.

 

Pediram-me que falasse da vida.

Aqui estou para a dizer

Em palavras duras, cruas,

Que são difíceis de receber.

 

Pediram-me que falasse da vida.

Aqui estou para a dizer

Através de figuras cruas

Do nosso difícil de viver.

 

Aproxima-te,

Senhora dona Fulana

Dos salões de chá,

Dos bailes de Caridade.

 

Aproxima-te,

Velho ricaço,

Ajoelhado (em cuecas)

Em frente à jovem criada.

 

Aproxima-te

Criança farta, birrenta e aborrecida,

Abonecada pelos caprichos da Mamã.

 

Grita,

Senhora dona Fulana,

A tua inutilidade

Feita caridade em tempos de Natal.

 

Grita,

Velho Ricaço,

O teu moralismo em discursos de altar.

 

Grita,

Criança aborrecidamente farta,

A meninice mimada com a pobreza de outros.

 

Pediram-me que falasse da vida.

Aqui estou para a dizer

Em palavras duras, cruas,

Que são difíceis de receber.

 

Pediram-me que falasse da vida.

Aqui estou para a dizer

Através de figuras cruas

Do nosso difícil de viver.

 

Aproxima-te,

Ó mulher domesticada,

Mãe dos teus filhos.

 

Aproxima-te,

Ó homem libertino,

Corno e corneador dos teus amigos.

 

Aproxima-te,

Ó criança maltratada,

Filha do acaso ou das conveniências.

 

Aproximai-vos e gritai.

 

Grita,

Ó mulher domesticada,

A tua vida roubada.

 

Grita,

Ó homem libertino,

Os teus cornos florescidos.

 

Grita,

Ó criança maltratada,

A tua inocência pura.

 

Pediram-me que falasse da vida.

Aqui estou para a dizer

Em palavras duras, cruas,

Que são difíceis de receber.

 

Pediram-me que falasse da vida.

Aqui estou para a dizer

Através de figuras cruas

Do nosso difícil de viver.

 

 

 

Aproxima-te,

Ó mulher operária,

Construtora e transformadora da vida.

 

Aproxima-te,

Ó homem operário,

Construtor e transformador da vida.

 

Aproxima-te,

Ó criança,

Nascida do amor,

Doado e criado mão na mão.

 

Aproximai-vos e gritai.

 

Grita,

Ó mulher operária,

A tua alegria de viver

De construir e transformar a vida.

 

Grita,

Ó homem operário,

A tua alegria de viver

De construir e transformar a vida.

 

Grita,

Ó criança nascida da alegria,

A felicidade de seres filha do amor.