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Notas à margem

Textos escritos em cadernos, em guardanapos, em folhas encontradas ao acaso, sempre a propósito, nunca de propósito. isto é "vou escrever sobre isto". Não é assim que funciono.

Textos escritos em cadernos, em guardanapos, em folhas encontradas ao acaso, sempre a propósito, nunca de propósito. isto é "vou escrever sobre isto". Não é assim que funciono.

Notas à margem

19
Ago22

Histórias para aprender a ler e escrever - Livro I - O monte do Pastor

Zé Onofre

Monte do Pastor

 

O MONTE DO PASTOR.jpg

 

Há, numa aldeia,

Perdida das estradas

Mais conhecidas do país,

Um monte a que chamam

O monte do Pastor.

 

É um lugar calmo,

Verdejante,

Onde no verão

Corre uma aragem fresca

Que convida as crianças

Para as suas inocentes brincadeiras.

 

Lá, no cimo do monte,

Há um penedo

Que o tempo e o vento

Moldaram em forma de lobo.

 

Um lobo a chorar.

Dos buracos dos olhos,

Dois fios de água,

Escorrem pelo focinho.

É ali que nasce o ribeiro da aldeia.

 

Ora, conta-se que em tempos antigos

Um rei poderoso e malévolo

Se apaixonara pela princesa Uiara,

A sereia das águas doces.

 

O rei poderoso e malévolo

Pediu princesa Uiara em casamento.

Não,

Estou noiva do Príncipe Pastor.

 

Furioso, o malévolo rei

Foi ter com o Príncipe Pastor.

Exigiu-lhe,

Ameaçando-o,

Que desfizesse o noivado com Uiara.

 

O poderoso e malévolo rei

Arrastou o príncipe Pastor

Até à princesa Uiara

E ordenou-lhes que se separassem.

Não, disseram os dois à uma.

 

O rei ficou tão dentro da sua malvadez

Que enviou o Príncipe Pastor para a lua,

Agarrou a linda Uiara nos seus braços

E transformou-se em cabeça de lobo.

A princesa começou a chorar.

A água que escorre do penedo

São as suas lágrimas tristes.

 

Passados muitos anos,

Um jovem desconhecido

Passou pelo penedo. 

Sequioso encostou os lábios

Para beber a água fresca que corria.

 

Nesse preciso momento

Ouviu-se um forte uivo,

Do rei-lobo

Que sentiu que aqueles lábios

Vieram para libertar a Uiara.

 

Foi tão forte e tremendo o uivo

Que o penedo abriu uma fenda.

Pela fenda saiu Uiara.

De mão dada foi com o jovem desconhecido.

Pela fenda continua a jorrar água,

As lágrimas aprisionadas

Que o uivo libertou.

 

Desenvolvimento

 

Frase – Ex.: O uivo do lobo libertou a princesa Uiara.]

 

Proceder como nos textos anteriores

03
Abr22

Por aqui e por ali 83

Zé Onofre

                83

 994/10/16

                 I

Que é

Do fogo ardente

Que iluminava o nosso caminho?

Que é

Da fúria

De fazer o futuro ontem?

Que tempo é este

Que levanta barreiras

Onde deveria haver, apenas, sonho e magia?

Que tempo é este

Que tudo macula?

Que tempo é este?

Que tempo,

Sem tempo

Para sonhar mais longe.

                II

Que bom,

Poder olhar o céu

Sem sonhos no olhar.

Que bom,

Poder apreciar a paz

Sem lágrimas nas palavras.

Que bom,

Pisar serenamente

As pedras da calçada.

                III

Quanto mais bom seria,

Incendiar de sonhos

O futuro,

Iluminar de pureza

O caminho,

Semear de flores

A gravidade dos dias.

  Zé Onofre

30
Set21

Penafiel 51

Zé Onofre

                 51

 

07/12/977

 

Há lágrimas

Apagadas   

Nas palmas das mãos.

 

Há risos

Perdidos                                                    

Nas palmas das mãos.

 

Há vícios

Escondidos

Nas palmas das mãos.

 

Há fantasias

Espraiadas

Nas palmas das mãos.

  Zé Onofre

Há sonhos

Não sonhados

Nas palmas das mãos.

04
Ago21

Souto 20 e 21

Zé Onofre

          20

17/12/974

                 I

São extensas as noites.

São alegres os dias.

São frias as alegrias.

São tristes as noites.

Sempre me procuro

Nessas teias

Como um fantasma

À procura desesperado

De materialidade.

Procuro nas lonjuras,

Em lugares escuros

Sem me encontrar.

A sombra,

Projectada pela imagem

Que os outros percebem

De mim.

Entre alegria,

Tristezas

Construo-me

De um talvez distante

Futuro.

           II

Nesse dia futuro,

Portanto outrem diferente,

Vislumbro, por entre a névoa,

O que gostaria de ser.

Leve,

Flutuando nas ideias,

Que agora me pesam

Como um fardo,

Ou como um castigo,

Da ousadia

De querer ser eu em verdade.

Nas palavras,

Nos actos,

Nas incertezas,

Quero ser eu

Agora no presente,

Que ainda não é futuro,

Me prende,

Qual maldição,

Ao passado,

Longa galeria de vitórias,

Derrotas,

De incertezas.

         III

No passado

Encontro-me bisonho,

Irritável,

Irritante,

Pesada herança

Do que sou,

Do que vivo.

De lá de trás

Vem uma mágoa

Por cada segundo morto.

O ontem

Mistura-se com o hoje

Baralha-me o amanhã

E no espelho dos outros

Vejo-me fantasma.

Mas um mérito tem

É a imagem que eu,

Com loucura,

Ou com lucidez enviesada,

Pari.

Zé Onofre

         21

 10/01/975

                        I

 Por caminhos,

Velhos,

Ou novos,

Ou por inventar,

Tento viver a vida

Que agora será nova.

Se não for perdida,

As pessoas ladrar-ma-ão 

Mas vivê-la-ei

Longamente

Conforme quero

E não segundo padrões convencionais.

Hei-de vivê-la

Porque minha

E eu próprio a construo.

Que me importa que a ladrem?

Que a ladrem,

Que a achem risível,

Vou vivê-la.

Vou construí-la

De acordo com os meus projectos,

Apesar dos vossos cochichos

Que já fazem parte da minha vida,

Já me são essenciais.

Sois vós que me dais alento.

Em cada risada,

Em cada dentada 

Confirmais que é este o meu caminho.

Se o olhais com desdém

É porque é meu

E não é vosso,

E não tendes coragem de criar o vosso.

                          II

Um caminho,

Caminho velho,

Novo caminho,

Delineio-o como quero,

Vivo-o com o meu sangue,

Com lágrimas,

Com esforço,

Com alegrias.

Dizeis que é um erro.

O erro não existe,

São os marcos da caminhada,

Que apontam em frente.

Só um caminho,

Por muitos calcorreado,

Dispensa os erros,

Mas rouba a alegria

De o fazermos com a nossa vida

De o moldar com as nossas mãos.

Reconhecer o erro

Não é arrependimento,

É viver a vida

E saber que se vive.

E vós sabeis que viveis?

No dia que entrar pelo vosso caminho

Então ride perdidamente.

O louco morreu.

       Zé Onofre

 

 

 

06
Jul21

Souto 7

Zé Onofre

7

11/07/972

                   I

Que é feito do meu poema?

(Do poema que sonhei,

Só mesmo sonhado poderia ser meu.)

Poema tão lindo,

Tão gritantemente lindo.

Lancinante

De ódio,

De morte,

De azar,

De loucura.

Que é do sonho

Do poema do sonho

Que sonhei

No meio da febre,

Breve sonho.

                    II

Perdido.

Perdido de quem?

Perdido do quê?

Perdido desde quando?

Perdido onde?

Perdido para quê?

Perdido,

Perdido de mim mesmo.

Tudo me foi roubado.

(Mas quê,

Se nada sou,

Se nada tenho.

Até mesmo o poema

Nascido num sonho de febre

Não é meu.)

                      III

Vestido de lágrimas,

Uma a uma caídas

Lenta, lentamente,

Mais lentas,

Que o passar lento dos segundos

(Segundos ou anos?)

Tudo lento,

Como um relógio parado

E sou eu esse relógio.

                IV

As lágrimas caídas,

Ping Ping Ping

Gotas de um teto calcário

Esculturando estalactites,

Seres fantasmagóricos,

Viventes no fundo de grutas,

Nuas e frias.

Grutas que as lágrimas

Caindo uma a uma, 

Dos meus olhos solitários,

Criam no fundo de mim

Onde me escondo.

                 V

As minhas lágrimas

Tristes,

Somente lágrimas

De um perdido,

Há tantos anos perdidos,

Sem encontrar

Seja o que for,

Que nem eu sei o que procuro.

                   VI

As lágrimas

Uma a uma caídas,

Caindo há tanto tempo,

Despedem-se de mim,

Correndo pelo chão,

Até um largo lago,

Um mar

De ondas revoltas,

Batendo nas rochas negras,

Cobertas de algas,

Escorrendo espumas

De sal,

De solidão. 

                     VII

As lágrimas

Uma a uma caídas

Dos meus olhos

De Olhares indefinidos,

Fixos

Num ponto para além de todos,

Para além das palavras,

Para além dos ecos do meu peito,

Das saudades que carrego,

Nem sei desde quando.

                      VIII

As lágrimas

Uma a uma caídas

Dos meus olhos,

Palavras repetidas, sempre repetidas

Na longa caminhada do deserto

Em que me fiz.

Dúvida.

Incerteza.

Tristeza.

Perdido.

Desnorteado.

Ontem.

Amanhã.

Amor.

Caminho.

Paz.

Longe.

Dentro.

Desencanto.

Desiludido

Loucura.

                    IX

As lágrimas

Uma a uma caídas

Dos meus olhos

Tristes,

Apagadas

Pelas curvas da vida.

Caídas,

Da longa bacia do meu olhar,

Lápide comemorativa

De cada morte que vivi,

Pela tortuosidade do ser.

Saídas do bosque

Sombrio

Dos meus pensamentos emaranhados

Que se atropelam

   Zé Onofre