Souto 20 e 21
20
17/12/974
I
São extensas as noites.
São alegres os dias.
São frias as alegrias.
São tristes as noites.
Sempre me procuro
Nessas teias
Como um fantasma
À procura desesperado
De materialidade.
Procuro nas lonjuras,
Em lugares escuros
Sem me encontrar.
A sombra,
Projectada pela imagem
Que os outros percebem
De mim.
Entre alegria,
Tristezas
Construo-me
De um talvez distante
Futuro.
II
Nesse dia futuro,
Portanto outrem diferente,
Vislumbro, por entre a névoa,
O que gostaria de ser.
Leve,
Flutuando nas ideias,
Que agora me pesam
Como um fardo,
Ou como um castigo,
Da ousadia
De querer ser eu em verdade.
Nas palavras,
Nos actos,
Nas incertezas,
Quero ser eu
Agora no presente,
Que ainda não é futuro,
Me prende,
Qual maldição,
Ao passado,
Longa galeria de vitórias,
Derrotas,
De incertezas.
III
No passado
Encontro-me bisonho,
Irritável,
Irritante,
Pesada herança
Do que sou,
Do que vivo.
De lá de trás
Vem uma mágoa
Por cada segundo morto.
O ontem
Mistura-se com o hoje
Baralha-me o amanhã
E no espelho dos outros
Vejo-me fantasma.
Mas um mérito tem
É a imagem que eu,
Com loucura,
Ou com lucidez enviesada,
Pari.
Zé Onofre
21
10/01/975
I
Por caminhos,
Velhos,
Ou novos,
Ou por inventar,
Tento viver a vida
Que agora será nova.
Se não for perdida,
As pessoas ladrar-ma-ão
Mas vivê-la-ei
Longamente
Conforme quero
E não segundo padrões convencionais.
Hei-de vivê-la
Porque minha
E eu próprio a construo.
Que me importa que a ladrem?
Que a ladrem,
Que a achem risível,
Vou vivê-la.
Vou construí-la
De acordo com os meus projectos,
Apesar dos vossos cochichos
Que já fazem parte da minha vida,
Já me são essenciais.
Sois vós que me dais alento.
Em cada risada,
Em cada dentada
Confirmais que é este o meu caminho.
Se o olhais com desdém
É porque é meu
E não é vosso,
E não tendes coragem de criar o vosso.
II
Um caminho,
Caminho velho,
Novo caminho,
Delineio-o como quero,
Vivo-o com o meu sangue,
Com lágrimas,
Com esforço,
Com alegrias.
Dizeis que é um erro.
O erro não existe,
São os marcos da caminhada,
Que apontam em frente.
Só um caminho,
Por muitos calcorreado,
Dispensa os erros,
Mas rouba a alegria
De o fazermos com a nossa vida
De o moldar com as nossas mãos.
Reconhecer o erro
Não é arrependimento,
É viver a vida
E saber que se vive.
E vós sabeis que viveis?
No dia que entrar pelo vosso caminho
Então ride perdidamente.
O louco morreu.
Zé Onofre