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Notas à margem

Textos escritos em cadernos, em guardanapos, em folhas encontradas ao acaso, sempre a propósito, nunca de propósito. isto é "vou escrever sobre isto". Não é assim que funciono.

Textos escritos em cadernos, em guardanapos, em folhas encontradas ao acaso, sempre a propósito, nunca de propósito. isto é "vou escrever sobre isto". Não é assim que funciono.

Notas à margem

01
Dez22

Dia de Hoje 77 - Canto triste XIII

Zé Onofre

77

 

Canto triste XIII

 

022/11/28

 

Andaremos nas ruas novamente

De olhos sorridentes, cara lavada,

De cabeça livre, mente libertada

Da dúvida que atormenta a gente.

    

Será que nos iludimos com a luz,

Que de repente apagou a escuridão,

Cadeado que nos prendia ao chão,

E vimos ali a redenção da cruz?

 

Afinal iludimo-nos e não pouco,

A revolução há tanto querida,

Acabava morta numa flor erguida

No cano de uma arma por um louco.

      

Banalizaram as nossas canções,

Repetiram-nas como divertimento

Retiraram-lhes todo o fermento

Que cantariam novas revoluções.

 

Os jovens, agora, já não usam a rua

Como o faziam seus pais, tios e avós

Convivem nas tecnologias estando sós.

Desconhecem o poder de conspirar à lua.

 

É pedir muito que as praças novamente

Se encham de revoltas canções de futuro

Que evitem que este se torne no duro

Passado dos ditadores de antigamente?

 

Partilhemos as ruas novamente

Com canções da revolução adiada,

Que tem de ser do chão levantada.

Cantemos, de novo, que a luta é urgente.

   Zé Onofre

 

04
Ago21

Souto 20 e 21

Zé Onofre

          20

17/12/974

                 I

São extensas as noites.

São alegres os dias.

São frias as alegrias.

São tristes as noites.

Sempre me procuro

Nessas teias

Como um fantasma

À procura desesperado

De materialidade.

Procuro nas lonjuras,

Em lugares escuros

Sem me encontrar.

A sombra,

Projectada pela imagem

Que os outros percebem

De mim.

Entre alegria,

Tristezas

Construo-me

De um talvez distante

Futuro.

           II

Nesse dia futuro,

Portanto outrem diferente,

Vislumbro, por entre a névoa,

O que gostaria de ser.

Leve,

Flutuando nas ideias,

Que agora me pesam

Como um fardo,

Ou como um castigo,

Da ousadia

De querer ser eu em verdade.

Nas palavras,

Nos actos,

Nas incertezas,

Quero ser eu

Agora no presente,

Que ainda não é futuro,

Me prende,

Qual maldição,

Ao passado,

Longa galeria de vitórias,

Derrotas,

De incertezas.

         III

No passado

Encontro-me bisonho,

Irritável,

Irritante,

Pesada herança

Do que sou,

Do que vivo.

De lá de trás

Vem uma mágoa

Por cada segundo morto.

O ontem

Mistura-se com o hoje

Baralha-me o amanhã

E no espelho dos outros

Vejo-me fantasma.

Mas um mérito tem

É a imagem que eu,

Com loucura,

Ou com lucidez enviesada,

Pari.

Zé Onofre

         21

 10/01/975

                        I

 Por caminhos,

Velhos,

Ou novos,

Ou por inventar,

Tento viver a vida

Que agora será nova.

Se não for perdida,

As pessoas ladrar-ma-ão 

Mas vivê-la-ei

Longamente

Conforme quero

E não segundo padrões convencionais.

Hei-de vivê-la

Porque minha

E eu próprio a construo.

Que me importa que a ladrem?

Que a ladrem,

Que a achem risível,

Vou vivê-la.

Vou construí-la

De acordo com os meus projectos,

Apesar dos vossos cochichos

Que já fazem parte da minha vida,

Já me são essenciais.

Sois vós que me dais alento.

Em cada risada,

Em cada dentada 

Confirmais que é este o meu caminho.

Se o olhais com desdém

É porque é meu

E não é vosso,

E não tendes coragem de criar o vosso.

                          II

Um caminho,

Caminho velho,

Novo caminho,

Delineio-o como quero,

Vivo-o com o meu sangue,

Com lágrimas,

Com esforço,

Com alegrias.

Dizeis que é um erro.

O erro não existe,

São os marcos da caminhada,

Que apontam em frente.

Só um caminho,

Por muitos calcorreado,

Dispensa os erros,

Mas rouba a alegria

De o fazermos com a nossa vida

De o moldar com as nossas mãos.

Reconhecer o erro

Não é arrependimento,

É viver a vida

E saber que se vive.

E vós sabeis que viveis?

No dia que entrar pelo vosso caminho

Então ride perdidamente.

O louco morreu.

       Zé Onofre