Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Notas à margem

Textos escritos em cadernos, em guardanapos, em folhas encontradas ao acaso, sempre a propósito, nunca de propósito. isto é "vou escrever sobre isto". Não é assim que funciono.

Textos escritos em cadernos, em guardanapos, em folhas encontradas ao acaso, sempre a propósito, nunca de propósito. isto é "vou escrever sobre isto". Não é assim que funciono.

Notas à margem

18
Mar23

Comentário 308

Zé Onofre

                  308 

023/03/18

Sobre “Incertezas” por Maria Neves, no blog https://mluciadneves.blogs.sapo.pt

Olho a imagem,
Uma paisagem
De céu e terra,
Com dúvidas no olhar.
Fico inseguro
Só de duvidar.

Olho a imagem
Pergunto-me,
Não só por me perguntar,
Que é que os meus olhos
Estão a olhar?

Olho a imagem
- É o orbe celeste que se derrama sobre a Terra?
- É a Terra que se eleva para além das nuvens,
Que no firmamento se desterra?

    Zé Onofre

09
Mar23

Histórias de A a Z para aprender a ler e escrever - Livro II - Rui e o lobo

Zé Onofre

Rui e o lobo

 

Lá,

Onde a aldeia se acaba,

Numa mata Escura,

Húmida,

Cortada por um caminho,

Cobra serpenteante,

Que dos uivos da mata

Herdou o nome 

Caminho dos uivos,

As crianças

Paravam tudo,

Brincadeiras e cantorias,

Passavam em pés de veludo.

 

Falar-se da Mata,

Era falar do Lobo

E dos seus arrepiantes uivos.

Era falar também

De muitos caçadores,

Da Casa e vizinhos,

E dos seus dissabores.

Era falar dos gabarolas

Que mil vezes

Haviam matado o lobo,

De modos tão diversos,

Metendo-lhe a mão pela boca,

Agarrarando-lhe o rabo

Viraram-no do avesso.

 

O Rui,

Criança calada,

Foi remoendo uma maneira

De acabar com o maldito lobo

De uma forma certeira.

No dia em que fez dezoito anos

Anunciou aos pais e amigos,

Que ia fazer uma viagem longa

Sem tempo para voltar.

 

Partiu

Um dia de manhã cedo,

Sem anúncio,

Nem despedida.

Meteu-se na mata,

Procurou atrás de cada árvore,

Em todas as covas e buracos,

RUI E O LOBO.jpg

Em todos as rochas

E penedos.

Do lobo nem sombra nem figura

Apenas os uivos.

 

Derrotado,

Rui retoma o caminho a casa.

Com raiva

Deu um pontapé numa pedra.

Com a dor deu um grito,

Tão alto,

Mais parecia o uivo do lobo.

Agachado para tirar a bota

E massajar o pé dorido

Sentiu um toque macio

No seu pescoço.

Olhou para trás

Viu uns olhos tão suaves,

Cristalinos,

Doces.  

´

Num ímpeto

Passou a sua mão

Naqueles olhos meigos.

Foi assim que viu

Os pelos sedosos, daquela criatura,

Caírem e sem chegarem ao chão

Desfaziam-se no ar.

Ao mesmo tempo

Surgia uma pessoa linda

Que com um beijo na testa se despediu,

E com ele os uivos.

   

Daquele tempo resta,

Como memória,

O nome do caminho,

O Caminho dos uivos.

   Zé Onofre

17
Dez22

Histórias de A a Z para aprender a ler e escrever - Livro II - Ana e a ave

Zé Onofre

Ana e a ave

ANA E A AVE.jpg

 

Da janela do seu quarto,

Ana

Olha a paisagem

Com colinas e encostas,

Vales e ribeiros,

Que certamente irão até ao mar,

Que fica para lá do horizonte,

No qual se impõe na maior montanha,

Coberta de neve

Que reflete o sol,

O luar e as estrelas.

 

Não,

A Ana não vive numa aldeia.

Da janela do seu quarto

Vê prédios, atrás de prédios,

Uns mais altos, outros mais baixos,

Presos entre ruas, ruelas,

Praças e avenidas,

Para acabar  

Num prédio todo envidraçado

Do solo de onde se ergue

Até roçar as nuvens.

 

Uma tarde,

Como noutras tantas tardes,

Ana olhava o longe.

Naquela tarde o seu olhar

Encontrou um ponto de interesse.

Era um pequeno ponto

Que se desprendeu lá longe,

Do alto do prédio envidraçado,

E se dirigia para a sua janela.

   

Agora que estava mais próximo

Identificou aquele ponto

Como uma ave.

Era uma ave para ela desconhecida

Tão diferente das avezinhas

Que conhecia dos parques e jardins da cidade.

A sua cabeça,

Ora branca, ora prateada,

Desprendia-se um arco-íris

Que coloria as suas penas.

 

Dos olhos fundos e negros

Formaram-se duas lagoas

Que refletiam a ave,

Que se aproximava velozmente,

Ignorante do perigo

Que representava o vidro da janela.

 

A ave

Chocou violentamente contra o vidro

Caiu como morta no parapeito.  

Com cuidado abriu um pouquinho a janela,

Pegou na ave

E as lagoas dos olhos de Ana

Transbordaram sobre a ave

Que recuperou do choque.

Ana bateu palmas,

A ave bateu as asas.

Ana pegou na ave com jeitinho,

Abriu-lhe a janela,

Deu-lhe um beijo na cabeça,

Deixou-a partir.

 

Agora todas as tardinhas

A ave vinha visitar a Ana.

  Zé Onofre

21
Abr22

Por aqui e por ali 99

Zé Onofre

               99

 

996/12/21

 

Exercícios dramáticos preparativos de teatro, Casa Padre Gonçalo, Amarante         

 

Eram tão lindos os seus olhos.

Castanhos,

Não, dourados,

Não, antes cor de mel.

Eram tão lindos os seus olhos.

Doces,

Líquidos

Tão transparentes,

Tão belos.

Eram tão lindos os seus olhos,

Mas tão traidores,

Fugidios,

Os seus olhos

Tão belos.

Zé Onofre

19
Jan22

Por aqui e por ali 44

Zé Onofre

                  44

sd, Escola de Portela, Aboim, AMT

Adivinha

As pernas
Começam no chão
E vão
Por ali acima
– Parecendo nunca mais acabar –
E param
De repente,
Num corpo redondo,
Fofo,
Macio
Onde é bom estar.

Os braços
Agitam-se ao vento
Do que há para fazer.
Ora pequeninos
Quando afagam,
Ora gigantes
Que tudo agarram.

Lá no alto,
A cabeça
Cor-de-noite-escura
Iluminada por duas estrelas,
Os olhos
Cor-de-muita-ternura.

14
Out21

Penafiel 63

Zé Onofre

                  63

 

03/03/978

 

Solidão

É ter o direito de dizer a nossa palavra

E calá-la.

É ter espaço para a gritar

E não o aproveitar.

É ter pernas

E não querer andar.

É ter olhar

E não querer ver.

 

Solidão

É o diz-se, diz-se

Das mesas do café.

É o murmúrio

Nos recantos dos corredores.

É ter a luz acesa

E apaga-la.

 

Solidão

É ter o dever de falar

E calar.

É ter o dever de ocupar o espaço

E abandoná-lo.

É ter o dever de andar

E amarrar as pernas.

É o dever de olhar em frente

E baixar os olhos.

 

Solidão

É querer estar só.

São estas paredes cheias

Do silêncio das nossas vozes.

É vazio gritado

De murmúrios.

É o sussurro bichanado

Ao ouvido do teu amigo.

 

Solidão

É ter o dever de estar presente

E fugir.

É direito de estar

E não o usar.

    Zé Onofre

 

 

22
Ago21

Souto 39 (A brincar aos poemas de Amor)

Zé Onofre

39

                SET/975

                     I

Quando encontrei os teus olhos,

O teu corpo,

E a tua vida,

Antevi um novo dia.

Nunca esquecerei o momento             

Em que te encontrei.

Para sempre ao vento

De paixão cantarei.

Quando encontrei os teus olhos,

Antevi um novo dia.

Contarei do teu olhar,

Da tua boca a sorrir,

Dos teus cabelos doirados,

Loiro sol a sorrir.

Quando encontrei os teus olhos

Antevi um novo dia

                   II

Lembro com saudade

A tua presença serena

Que nos dias de liberdade

Vivíamos em comunhão plena.

 

Lembro com saudade,

Única coisa que ficou,

Dos dias de felicidade

De quem tanto amou.

 

Lembro com saudade

O que ficou por te dizer.

Perdi a oportunidade

Não sei o que fazer,

 

Lembro com saudade

Teus lábios, o teu sorriso

O teu olhar de lealdade.

Até penso que perdi o siso.

  Zé Onofre

13
Ago21

Souto 32

Zé Onofre

32

 29/04/975

 Os dias cinzentos e chuvosos

Ficaram ternos e saudosos,

Melancólicos.

As recordações entram de mansinho.

De repente os olhos

Enchem-se de vida, de brilhos

Que iluminam o presente.

 

Aqui, sentado a esta janela,

Ténue fronteira

Entre o ontem e o hoje.

Escorre dela os belos dias de criança.

Dias sempre azuis,

Nem que o céu cinzento negro,

Despejasse águas a cântaros,

Ou enchesse a vida

Com raios e trovões,

Eram sempre azuis.

 

Eram azuis quando rolávamos

Verdes nos campos.

Eram azuis, quando rindo,

Tentávamos um beijo do nosso amor.

Eram azuis

As caras dos amigos

Os brinquedos que inventávamos.

 

Eram azuis

As tardes longas de sol

Era azul,

O sol que se derramava em nós.

Eram azuis

As águas corredias nos regos e riachos.

Era azul

O ralho da mãe

- Se adoeceres

Nem um copo de água te levo à cama. –

 

Azul,

Aquela nossa vida

Saltar de rego em rego,

Construir enormes barragens,

Lagoas como mares,

Pontes, as maiores do mundo

(Três pedras,

Varas caídas da poda

E o cimento, lama)

Obra-prima da engenharia.

Azul

Era o tempo, em que enleados,

Admirávamos a obra feita.

 

Azuis

Eram os sorrisos felizes

Estampados no rosto,

E desfaziam em pó

Os ralhos ternos da mãe.

 

Azul,

Embora esbatido,

É esta melancolia

De espreitar a infância

Pela frincha do tempo.

Azul,

Embora esbatido,

É espreitar os campos,

Ainda cheios de vida,

Agora abandonados

À incúria dos tempos.

 

Vieram os anos,

Olho para dentro de mim

Onde ontem,

Vejo azuis ossos encharcados.

Hoje,

Apenas ossos pesados.

Vieram os anos,

Olho para dentro de mim.

Onde ontem,

Há sombras azuis de amores,

Olhos azuis que eram azuis,

E azuis continuam,

Apesar das lágrimas

Que hoje

Teimam em diluí-los.

 

Nesse azul claro

Uma nova onda nascerá

Sem angústia,

Sem desespero da loucura

Da vã procura.

Nas ruas da solidão

Estará o azul

À minha espera.

   Zé Onofre