Rebusco 20
20
092/07/08, Porto
No início
Era o silêncio,
Era a concórdia.
Depois
Inventaram-se as palavras.
Veio a distância,
O conflito.
Agora
Enredamo-nos em palavras
À procura do silêncio,
Da paz perdida.
Zé Onofre
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20
092/07/08, Porto
No início
Era o silêncio,
Era a concórdia.
Depois
Inventaram-se as palavras.
Veio a distância,
O conflito.
Agora
Enredamo-nos em palavras
À procura do silêncio,
Da paz perdida.
Zé Onofre
81
022/12/13
Nasceu,
Dizem,
Numa manjedoura,
Há dois mil anos,
Mais ano menos ano,
Uma criança.
Nasceu,
Dizem,
Na manjedoura de um curral
Depois de se fecharem todas as portas,
Para um casal cansado de longa viagem,
Cuja mulher
Se apresentava nitidamente grávida
Nos últimos dias.
Nasceu,
Dizem,
No curral
Onde dois dóceis animais,
Uma vaca pachorrenta
E um manso burro
Se aproximaram da manjedoura
E o cobriram de ternura.
Nasceu,
Dizem,
Ao som de coros universais,
De cantos de pastores
Que se recolhiam.
De joelhos caíram
Perante o milagre
Da vida.
Cresceu,
Dizem,
Em humanidade,
Inteligência
E sabedoria.
Adulto,
Dizem,
Que percorreu todos os caminhos.
Que andou por desertos
Por casais e aldeias,
Por vilas e cidades
Seguido por pescadores,
Cobradores de impostos,
Prostitutas e leprosos
E outros marginalizados.
Viu,
Dizem,
Tudo o que havia para ver.
Opulência.
Riqueza.
Miséria.
Opróbrio.
Violência.
Não gostou,
Dizem,
Do que viu.
Então,
Seguido pelos seus amigos,
Partiu a denunciar os desvios
E manipulação da Lei
Que os sumo-sacerdotes,
Os poderes políticos,
Os poderes económicos
Faziam em seu proveito.
Aquela criança,
Dizem,
Nascida em palhas
Bafejada por dois dóceis animais,
Um dia quis mudar o mundo
Com palavras
Ilustradas por actos.
Crucificaram-no na cruz,
Dizem,
Como um vulgar criminoso.
É assim
Que os poderes instituídos
Tratam quem ousa
Atravessar-se no seu caminho.
Hoje,
Passados dois mil anos,
Mais ano, menos ano,
Lembramos como grande
Aquele dia.
O dia em que um casal
Apenas encontrou abrigo num curral.
Onde uma criança
Acabou por nascer nas palhas
De uma manjedoura.
Lembramos
Aquele dia
Desejando
Um novo mundo, melhor,
O fim da Guerra,
O fim da Fome,
Um mundo de Paz,
Um mundo de Liberdade,
Um mundo de Igualdade,
Um mundo de Fraternidade.
Talvez cheguemos lá um dia,
Talvez.
Quando houver menos Cristãos
E mais seguidores de Cristo.
Talvez cheguemos lá um dia,
Talvez.
Quando toda a Humanidade
Acreditar
Que nada é de ninguém
E que todos têm direito a tudo.
Talvez cheguemos lá um dia,
Talvez.
Chegaremos lá?
Como chegaremos lá?
Não sei.
Talvez cheguemos lá um dia,
Talvez.
Zé Onofre
31
28/04/975
A paz e a calma de saber
Para além de tudo que sou eu.
Ser eu sem fingimento e na verdade.
A cara sempre a mesma,
Erguida e radiante na alegria,
Baixa e húmida na tristeza,
Mas sempre a mesma cara.
Serena nas horas calmas.
Ensombrada nas horas turbulentas,
Mas sempre a mesma cara determinada.
Zé Onofre
7
11/07/972
I
Que é feito do meu poema?
(Do poema que sonhei,
Só mesmo sonhado poderia ser meu.)
Poema tão lindo,
Tão gritantemente lindo.
Lancinante
De ódio,
De morte,
De azar,
De loucura.
Que é do sonho
Do poema do sonho
Que sonhei
No meio da febre,
Breve sonho.
II
Perdido.
Perdido de quem?
Perdido do quê?
Perdido desde quando?
Perdido onde?
Perdido para quê?
Perdido,
Perdido de mim mesmo.
Tudo me foi roubado.
(Mas quê,
Se nada sou,
Se nada tenho.
Até mesmo o poema
Nascido num sonho de febre
Não é meu.)
III
Vestido de lágrimas,
Uma a uma caídas
Lenta, lentamente,
Mais lentas,
Que o passar lento dos segundos
(Segundos ou anos?)
Tudo lento,
Como um relógio parado
E sou eu esse relógio.
IV
As lágrimas caídas,
Ping Ping Ping
Gotas de um teto calcário
Esculturando estalactites,
Seres fantasmagóricos,
Viventes no fundo de grutas,
Nuas e frias.
Grutas que as lágrimas
Caindo uma a uma,
Dos meus olhos solitários,
Criam no fundo de mim
Onde me escondo.
V
As minhas lágrimas
Tristes,
Somente lágrimas
De um perdido,
Há tantos anos perdidos,
Sem encontrar
Seja o que for,
Que nem eu sei o que procuro.
VI
As lágrimas
Uma a uma caídas,
Caindo há tanto tempo,
Despedem-se de mim,
Correndo pelo chão,
Até um largo lago,
Um mar
De ondas revoltas,
Batendo nas rochas negras,
Cobertas de algas,
Escorrendo espumas
De sal,
De solidão.
VII
As lágrimas
Uma a uma caídas
Dos meus olhos
De Olhares indefinidos,
Fixos
Num ponto para além de todos,
Para além das palavras,
Para além dos ecos do meu peito,
Das saudades que carrego,
Nem sei desde quando.
VIII
As lágrimas
Uma a uma caídas
Dos meus olhos,
Palavras repetidas, sempre repetidas
Na longa caminhada do deserto
Em que me fiz.
Dúvida.
Incerteza.
Tristeza.
Perdido.
Desnorteado.
Ontem.
Amanhã.
Amor.
Caminho.
Paz.
Longe.
Dentro.
Desencanto.
Desiludido
Loucura.
IX
As lágrimas
Uma a uma caídas
Dos meus olhos
Tristes,
Apagadas
Pelas curvas da vida.
Caídas,
Da longa bacia do meu olhar,
Lápide comemorativa
De cada morte que vivi,
Pela tortuosidade do ser.
Saídas do bosque
Sombrio
Dos meus pensamentos emaranhados
Que se atropelam
Zé Onofre