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996/02/12, encontro do SPN, CMA, Amarante
Está na hora
De olhar o horizonte
E descobrir mais além.
Está na hora
De deixarmos de ser comparsas activos
Na destruição do nosso melhor,
A Utopia.
Está na hora
De acabar com as negociações,
O futuro não se negoceia,
Cumpre-se
Está na hora
De mudar o rumo,
Não de remendar caminhos,
Que está visto não é o caminho.
Está na hora
De exigirmos mais e melhor.
De gritarmos bem alto –
Esta não é a escola que respeita os alunos.
Esta não é a escola que satisfaz os pais.
Esta não é a escola que dignifica os professores.
Esta não é a escola que constrói futuros.
Esta é a escola dos sonhos desperdiçados.
Está na hora
De edificarmos uma escola nova
E não de nos acomodarmos –
Em opiadas discussões de estatutos e escalões.
E não de negociar os escombros
Da escola que resta.
Está na hora
De pensar, escutar e olhar,
De não mais sermos tratados como regateiros
A discutir o preço do linguado.
Está na hora
De assumir a nossa dignidade.
Dignidade que não se conquista
Com discussões estéreis
Que nos roubam argumentos
E destroem o orgulho que ainda nos resta,
A dignidade conquista-se
Com a exigência de uma escola,
Crítica, experimental e não seguidista
Dos ditames de uma sociedade
Que tudo reduz ao sucesso dos cifrões,
E principalmente aos bens consumidos.
A dignidade conquista-se
Com a recusa da escola armazéns de matéria-prima
De meninos com que se fazem chouriços.
Os que não são perfeitos são excluídos
Lançados à máquina do lixo,
Farinha para engorda dos barões da droga.
A dignidade conquista-se
Exigindo-se condições
Onde cada um seja cada um
E não a redução ao tipo médio.
A dignidade conquista-se
Com a recusa das condições desumanas
De ritmos arbitrários que tudo reduzem
Ao Máximo Divisor Comum.
A dignidade conquista-se
Com a recusa da escola sardinha em lata.
Com a recusa da escola-cidade
Onde os professores não conhecem o vizinho do lado,
Quanto mais os habitantes da rua, os alunos.
A dignidade conquista-se
Exigindo uma escola que não mais seja
Quatro paredes recheadas de mobiliário
Do mais sofisticado que haja,
Ao mais antiquado e artesanal,
Quadro preto, giz e cuspe.
A dignidade conquista-se
Ajudando a construir uma escola,
Onde todos os que lá trabalham
Se despeçam “até amanhã”
Como quem espera o beijo da mãe,
O encontro ansiado com o amigo,
O abraço apertado dos enamorados,
Ou apenas a terra onde “corre o leite e o mel.”
A dignidade conquista-se
Vendo “claramente visto” que o rei vai nu.
A escola vai nua porque diz –
Sou para todos –
Mas só se o for na rejeição dos inadaptados.
– Sou obrigatória durante nove anos –
E limita-se a burocratizar pessoas,
A reduzir a estatísticas os alunos.
Está na hora
De termos coragem de enfrentar os alunos,
Dizer-lhes, como quem pede perdão,
Tendes razão, abrimos os olhos tarde.
De termos coragem de enfrentar os pais,
Dizer-lhe como quem reconhece uma culpa,
Tendes razão em não confiardes totalmente na escola.
De termos coragem de enfrentar o ministro
E dizer-lhes com toda a clareza necessária,
Este não é o momento para esta discussão.
O problema está para além de estatutos.
O problema está para além das carreiras.
O problema está para além dos escalões.
O problema está para além de mais ou menos tostões.
Está na hora
De encararmos os alunos, olhos nos olhos,
E pedir perdão por cada vez que gritaram,
Como quem pede socorro, e nós os calamos.
E pedir-lhes perdão por cada vez que nos chamaram,
E altivamente nem para eles, olhamos.
Perdão por todas as vezes que se atravessaram,
De propósito nos nossos caminhos, e prosseguimos
Altivamente em frente e com a nossa pressa
Vos Arredámos não sabemos para onde.
Por favor,
Não mos julgueis com muita severidade.
Tal como vós chamamos e ninguém nos responde,
Apenas um eco repete e distorce até o infinito
O nosso repetido e sentido apelo.
Tal como vós nos sentimos esmagados e trucidados
Por esta escola cega, surda e muda.
Vamos então fazer um pacto –
Vamos ajudar-nos mutuamente.
Olhai para nós, não como carrascos,
Mas como amigos.
Olhai para nós, não como iluminados,
Mas tateantes a fazer o caminho.
Olhai para nós não como carcereiros,
Das vossas alegrias e angústias,
Mas como uma janela
Onde vos podeis debruçar
À procura do horizonte.
Olhai para nós
Como seres que entre o medo de errar,
E as certezas de não nos enganarmos,
Vivemos entre horrores e alegrias.
Finalmente, olhai para nós e vede
Que somos pessoas, apenas pessoas,
Como todas as pessoas sujeitas a erro.
Pais, também convosco, queremos fazer um pacto.
Antes, porém, julgai-nos com benevolência.
É certo que nem sempre nos entendemos,
E ajudemo-nos na jornada dos vossos filhos.
Ajudai os vossos filhos a descobrir a felicidade
Da descoberta e da conquista.
Não tenhais pressa que os vossos filhos
Tenham tudo, deixai algo, o mais importante,
Para ser a conquista deles.
Deixai que sejam eles a chegar mais longe,
Nem que apenas o mais longe seja ali,
Sim, ali no fim da rua, ao virar da esquina.
Senhor ministro,
Por agora prometemos exigir, apenas, esta escola.
– Pequena,
Onde todos se conheçam pelo nome próprio,
E não pelo terror do quinto E,
Ou pelo filho do João da Esquina,
Ou a s’tora, a fera da matemática.
– Espaçosa,
Onde cada um tenha direito à sua privacidade,
Não se sentir invadido pelos outros.
– Rica,
Em espaços diferenciados,
Em actividades alternativas,
Que proporcionem a cada um
A realização do ser humano
Em busca da felicidade.
– Exigente
Na crítica e autocrítica,
Nos comportamentos e atitudes,
De cada uma das pessoas que lhe dão corpo.
Depois, então, falaremos de remunerações.
Zé Onofre