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Notas à margem

Textos escritos em cadernos, em guardanapos, em folhas encontradas ao acaso, sempre a propósito, nunca de propósito. isto é "vou escrever sobre isto". Não é assim que funciono.

Textos escritos em cadernos, em guardanapos, em folhas encontradas ao acaso, sempre a propósito, nunca de propósito. isto é "vou escrever sobre isto". Não é assim que funciono.

Notas à margem

26
Abr23

Histórias de A a Z para aprender a ler e escrever - Livro II - Primeira vez

Zé Onofre

Primeira vez

 

Quantas vezes,

Cátia,

Sentada nos bancos da estação,

Sonhou entrar no comboio.

 

Desde que se lembrava

Via-os passar,

Ouvia o seu cantar lento,

Mas ritmado,

Pouca-terra, pouca-terra.

 

Via-os chegar à estação,

Cansado a arfar,

Suado e sequioso

Refrescar-se e beber,

A goles enormes,

Água fresca.

 

Pois aquele

Era o dia dos seus sonhos.

Cátia iria com a mãe,

Visitar a tia Maria,

Ao Porto,

De comboio.

 

Durante a viagem,

Os seus sentidos dispersavam-se

Entre o bambolear da carruagem,

As árvores que fugiam

Dos seus olhos,

Os sons da máquina

Pouca-terra, pouca-terra,

As rodas a chiarem nas paragens,

O matraquear das rodas nos carris.

 

Nos intervalos

Massacrava a mãe com perguntas.

Ainda falta muito?

Como é o Porto?

Tem campos de milho?

E riachos como o da nossa casa?

Como são as casas do Porto?

A casa da tia é como a nossa?

 

Para bem da paciência da mãe,

A máquina estafada

Resfolegou uma última vez.

Desceram e seguiram

As dezenas de pessoas,

Que apressadas,

Se dirigiam à porta de saída,

Onde um homem de farda castanha,

Via os bilhetes.

 

A tia esperava-as de fora

E conduziu-as até à rua.

Cátia não acreditava,

Não queria acreditar,

No que os seus olhos viam.

Casas mais altas do que pinheiros,

De braço dado umas às outras,

Ladeavam um leito,

Onde não corria água,

Mas carros,

Uns para cima, outros para baixo.

 

Não tinha acordado, ainda,

Deste seu espanto

Quando um comboiozinho amarelo

Descia por entre as pessoas e os carros

Parecendo vir para cima dela.

Com o susto saltou para o lado

No momento em que mudava de direção,

O comboiozinho.

 

Tia,

 Aqui no Porto

Os comboios andam

Por entre as pessoas e os carros?

Não,

Minha tontinha,

Aquilo não é um comboio,

É um carro elétrico.

Eu explico-te.

É uma espécie de camionete,

Que anda em cima de carris

E é movido a eletricidade.

 

Para completar

A alegria surpresa

A tia levou a Cátia

No carro elétrico.

08
Set21

Penafiel 20

Zé Onofre

               20

 02/06/76

 Era uma vez,

Como tantas vezes,

Na floresta de cimento-aço,

De bichos selvagens

Metálicos e reluzentes,

Andava uma criança.

 

Na rua,

Sem lugar

Sem tempo para brincar,

Andava

Na apanha do trapo

Ferro velho.

Passou por muitos,

Muitos bichos,

E muitíssimos,

Muitíssimos lobos

Que sem ameaças,

Sem escrúpulos,

Sem canções

Comem a criancinha aos pouquinhos.

É esta a história do Capuchinho

Que todos os dias se passas

Na floresta de cimento.

Cidade

Onde os homens

São lobos.

Zé Onofre