Rebusco 29 - III
29 - parte III
Natal/92
Viajante pela vida
(Parte III)
Zé Onofre
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29 - parte III
Natal/92
Viajante pela vida
(Parte III)
Zé Onofre
Aurélio na terra do avô
Aurélio viajava, e não era pela primeira vez,
Para a aldeia onde viviam o avô e a avó.
Lembrava-se que os visitava, talvez, umas três
Alturas por ano. Esta não era uma visita só.
Hoje dirigia-se para a Terra natal do pai,
Não para fazer mais uma visita familiar
Como as que fazia nas festas e férias. Vai
Porque está doente para tentar repousar.
Uma dessas ocasiões ocorria no Verão.
As estradas que tinham, sem exagerar,
Mais curvas que quilómetros, eram então
Espiche, buracos e terra, pareciam não acabar.
Saíam de manhã cedo antes de nascer o sol.
A viagem começava com o carro voando
Porém, depressa rolavam a passo de caracol.
Quando chegavam já a noite ia entrando.
A ida por velhos caminhos será menos demorada.
Ainda será, mesmo assim, longa para recordar
Os primos, as primas e os amigos. A tratantada
Começava de manhã cedo e ia até o dia acabar.
As tardes de verão no rio eram de encantar.
Nadar, saltar de pontos altos para a água, subir
E descer o rio no barco a remar e a cantar.
A última automotora dizia a hora de partir.
O monte tinha sempre algo para ofertar.
Na primavera o rosmaninho, o tapete pascal.
Pela senhora da Graça as pinhas para queimar.
No inverno, o musgo para o presépio de Natal.
Nestas andanças com os primos desde a aurora
À noite, de qualquer lugar fosse ele alto ou fundo,
Estava a linha por onde serpenteava a automotora.
Na automotora, sonhava Aurélio, correria o mundo.
Parecia que o pai tinha o dom de adivinhar
Os mais loucos sonhos que Aurélio tinha.
Um dia foram todos para a estação esperar
A automotora para viajarem até ao fim da linha.
O pai, na viagem de volta, levou-o ao motorista
Que o convidou a entrar e permitiu-lhe tocar
A buzina. Aurélio mostrou-se um hábil artista.
A automotora veio em festa até a viagem acabar.
Zé Onofre
2
989/10/11
I
José correu,
Depois voou,
Perdeu-se no azul.
Restou dele
Apenas uma réstia
De nada.
Foi feliz.
II
Passamos o tempo
A perder o tempo
A lamentar o tempo perdido.
Somamos tempo perdido
A tempo perdido.
Quando usaremos o tempo,
Que nos é dado,
Para construir
Um tempo acrescido
De felicidade?
III
Rasgamos
Com fúria,
As condições primeiras da felicidade.
(Ternura,
Ternura e mais ternura).
Depois
Recordamos metodicamente
Os sonhos perdidos
Ao amanhecer.
IV
Pegamos em crianças.
Que fazemos delas?
Macaquinhos amestrados
A Responder a estímulos?
Macaquinhos pequeninos
Muito bem ordenadinhos?
Meninos comportadinhos,
Pequenos homenzinhos?
Ai escola, escola.
V
Pura poesia
É
A vida em movimento.
O parado
É
Sofrimento.
A escola parada
É
Tristeza pura.
Secas
São as vidas torturadas
Nos bancos da escola.
Secas
São as palavras
Que, frias, escorrem
Dos lábios das crianças
Sem sentido,
Sem ardor.
Zé Onofre
Canto triste II
022/10/12
Amigo
Tão perdido no vento
Por esses caminhos do desalento.
Porque desperdiças o tempo
E não o somas ao de alguém.
Em cidades
Em vilas e aldeias
Porque passas sem olhar bem
Não saberás que há outros à tua beira
Que sofrem também.
Vê que
Vê que se ficas só
Não irás a qualquer parte.
Deixa que os sonhos dos outros
Sejam os teus sonhos também.
Zé Onofre
Bela
Numa casa
no meio da floresta
vive uma menina
com o pai e mãe
mais a sua boneca.
A menina,
de seu nome Bela,
de rosto lindo
a dizer
com o nome dela,
brincava,
com a sua boneca de trapos
até a deixar tonta
ao jogo do faz de conta.
Agora....
És a gata borralheira
escrava da madrasta má
e das tuas irmãs.
Agora...
És a Bela adormecida
em tua cama de cristal
à espera do príncipe
Em seu cavalo real.
Agora...
És...
Com a boneca nos braços
a Bela adormeceu.
No meigo colo
de sua mãe.
Em sonhos continua
a vestir de sonhos
e formosura
a boneca de trapos
que abraça com ternura.
127
011/02/12, EB2.3, Vila Caiz, Amarante
Olhemos as páginas escritas.
Nelas nada há de sonhos,
Nada há de mistérios,
Nada há de aventura.
Corramos pelas páginas brancas
Em busca do vento,
Em busca das labaredas,
Em busca do infinito,
Em busca do desconhecido.
Se de repente
Na esquina alva
De uma linha por escrever,
Nos aparecer a luz,
Nos surpreender uma sombra,
Tropeçarmos numa mágoa,
A subtileza de um amanhã,
Teremos então a certeza
– A viagem não foi em vão. –
Zé Onofre
105
997/06/14
Regresso
Hoje regressais ao passado.
Cada um de vós vieste ao encontro
Do vosso passado.
Hoje, cada um de vós visita,
Revisita as suas ilusões,
As suas esperanças,
Os seus sonhos.
Hoje regressais
Aos vossos vinte anos.
Aos vinte anos de cada um.
Em sorrisos, risos, de olhos perdidos,
Olhando-vos uns aos outros de longe,
Recordais, não o mesmo passado
Que em comum a vida por acaso vos deu,
Mas o passado que cada um construiu,
Ano após ano, dia após dia.
Um passado
Que cada um de vós construiu
À medida dos vossos sonhos,
Ou à medida do que a vida permitiu.
Passaram vinte e cinco anos.
E com eles muitos outros valores se alteraram.
Sonhos e esperanças,
Alegrias e tristezas,
Saudades, fantasias,
Desesperos, Melancolias.
É com estas vestes que hoje,
Vinte e cinco anos depois,
Regressais a um passado,
Em que o acaso vos juntou,
Num momento e num espaço.
Cada um de vós vem arranjado
Com as vestes
Que a vida lhe proporcionou.
Zé Onofre
98
996/11/24
De repente sinto que o Natal
Morreu dentro de mim.
Que caminhos percorri,
Que sonhos desperdicei?
Tudo sabe a esforço,
Voluntarismo,
Racionalidade.
Tudo é
Porque tem de ser.
Já nada é
Sonho ou alegria,
Revolta ou ousadia.
Tudo é razão, razão, razão.
Em que canto,
Em que esquina,
Em que parte de mim próprio me perdi?
Ze Onofre
96
996/05/12, visita a uma amiga instalada no asilo, Amarante
Aqui estão parados,
Simulando que vivem.
Aqui estão a viver um tempo
Que não existe,
A gastar um sopro
Que está suspenso.
Aqui estão
Envoltos num passado,
Num presente suspenso
Que não terá futuro.
Aqui estão desertos de sonhos,
Suspensos do tempo,
Ausência do hoje,
Sem possíveis amanhãs.
Zé Onofre
90
995/10/22
Que fizestes
Ao verde dos meus olhos
Que iluminavam o clarão dos dias?
Agora
Olho
E só castanho o horizonte.
Que lutos
Impossíveis, choro?
Desde quando
Deixei os sonhos desamenhecer?
Zé Onofre