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Notas à margem

Textos escritos em cadernos, em guardanapos, em folhas encontradas ao acaso, sempre a propósito, nunca de propósito. isto é "vou escrever sobre isto". Não é assim que funciono.

Textos escritos em cadernos, em guardanapos, em folhas encontradas ao acaso, sempre a propósito, nunca de propósito. isto é "vou escrever sobre isto". Não é assim que funciono.

Notas à margem

12
Mai23

Histórias de A a Z para aprender a ler e escrever - Livro II - A princesa encantada

Zé Onofre

A PRINCESA ENCANTADA

 

Era uma vez…

Num reino para além

Dos horizontes

Dos vales, das montanhas,

Das lagoas, dos rios,

Dos mares e das fontes.

 

Era uma vez…

Num reino lá atrás,

No início de todos os anos,

De todos os séculos,

Das eras perdidas

E quem sabe

Num tempo sem medidas.

 

Nesse reino,

Sem espaço, nem tempo,

Vivia um rei

Senhor das terras,

Dos rios e dos lagos,

Dos prados e dos montes,

Dos mares e das praias,

Dos navios e das pontes.

 

Era dono

Dos seres vivos.

Dos que vivem nos ares,

Nas terras

E nos mares.

Da vegetação,

Do feno que ao vento ondula,

Aos arbustos que dançam

À canção do vento nas árvores.

De todos os minerais e pedras preciosas

Dos cinzentos granitos aos claros mármores.

 

Apesar de ser dono de tudo,

Deste deslumbramento

De tantas riquezas

De tanto mundo

De tantas belezas

Em que tudo se verga aos seus passos.

Apesar de tudo vivia triste.

Não tinha filho, nem filha,

Não teria neto, nem neta

Que apertasse nos seus braços,

Cada vez mais secos e cansados.

 

Um dia,

Em que o desânimo batia forte

Apareceu um velhinho

Trazido nas asas do vento norte.

Disse,

Na sua voz doce,

Serena e forte,

Que tinha vindo

Para acabar com a tristeza

Que há anos atormentava

Sua real alteza.

 

Logo o rei

Lhe prometeu mundos e fundos,

Riquezas mil que estavam à sua escolha

Por todo o seu reino.

O velhinho disse

De tudo quanto me oferece

Daqui só quero apreciar,

A ondulação do feno, verde-mar,

A canção do vento

Que faz os arbustos dançar.

 

Assim quis, assim se fez.

Passados nove meses

Aconteceu o que tinha de acontecer,

Com a bênção do velhinho,

Talvez sábio, ou feiticeiro,

Um menino acabou por nascer.

 

Nasceu Ricardo.

Cresceu belo e inteligente.

Porém,

Sem a companhia duma criança

Era um Ricardo desanimado,

Que vivia sem a esperança

Dum dia ter alegria.

A PRINCESA ENCANTADA.jpg

O rei

Ao ver o seu filho

Uma criança já envelhecida.

Lembrou-se

Do Velhinho,

Talvez sábio ou feiticeiro,

E pôs todos os seus criados à sua procura.

Que visitassem as searas ao vento,

Os arbustos a dançar,

Nas canções do vento.

Que visitassem todas as grutas,

Levantassem todas as pedras,

Atrás de todos os penedos,

Que não deixassem palmo por averiguar.

 

Assim fizeram,

Com esmero cumpriram as ordens

Nada ficou por esquadrinhar.

Do velhinho,

Sábio ou feiticeiro

Nem uma breve visão,

Nem o mais leve cheiro,

Ou algum som que dele viesse.

Voltavam

Já vencidos pela pouca sorte.

Ao entrarem no caminho,

Rumo ao Castelo

O velhinho

Aparecido ali, não sabiam de onde,

Trazia na mão uma gaiola de arame

Que tinha dentro um rato

Enfeitado com um laço amarelo.

 

O que se pode dizer

Contentes como um rato

Correram, quase voavam

Onde o Rei e a Rainha,

Aios e aias

E claro o Ricardo

Os aguardavam com ansiedade

E já nada de bom agouravam.

 

Ergueram a gaiola

Como se fosse um troféu

Desmontaram todos ao mesmo tempo

E com o devido respeito

Dirigiram-se à família real

E à sua frente ajoelharam,

Apresentaram a prenda original.

 

A luz voltou ao castelo.

Ricardo crescia agora

Belo, inteligente e alegre.

Era o rato atrás do Ricardo,

Era o Ricardo a seguir o rato.

Andava tudo num reboliço.

Móveis que saíam do lugar,

Jarras que se partiam

Depois de um voo pelo ar.

As carpetes ondulavam,

As tapeçarias balouçavam.

 

Apesar de contentes

Pela energia inebriante

Do seu filho Ricardo.

O que o pai e a mãe não sabiam,

Era com quem brincava o seu infante.

Onde os reis babados

Pela alegria sem comparação

Do seu filho Ricardo

Viam apenas um rato,

O filho de suas altezas

Brincava com a mais bela

De todas as princesas.

 

Um dia

O rei João

Meteu na sua cabeça

Que chegara a hora de casar o Ricardo.

Este não gostou da lembrança.

Casar com quem

Perguntava à mãe

Que lhe dava mais confiança.

Não te aflijas seu tolo,

O teu pai quer, porque quer

Ter um neto, ou uma neta,

Nem repara que ainda és criança.

 

Todavia sua majestade

Insistia,

Persistia,

E por fim decidiu.

Amanhã começamos à procura,

Pois, menino Ricardo,

É chegada a altura

De deixares de brincar com o rato.

 

Na manhã seguinte,

Ricardo

Desceu com decisão

A escadaria

Que ia para a sala de jantar.

Levava na mão a gaiola

E o rato com o laço amarelo.

Senhor meu pai,

Minha querida mãe,

Já que me querem casar

Aqui têm

A minha pretendida.

Dizendo isto Ricardo

Com toda a delicadeza

Pousou a gaiola e o rato

Numa cadeira, à mesa.

 

Que brincadeira é esta.

Pensas que isto é uma brincadeira?

Onde já se viu um Príncipe

Casar com um simples rato,

Que por sorte escapou da ratoeira?

Meus soberanos pais,

Não estou a brincar.

Por favor abri os olhos

E vede o que tendes à vossa frente.

E sem magia, mas com lucidez,

Os pais com olhar persistente

Viram para seu espanto

Aparecer sentada à mesa

Não o rato das brincadeiras

Mas uma menina airosa

De rara beleza.

  Zé Onofre

12
Jan23

Histórias de A a Z para aprender a ler e escrever - Livro II - O tesouro do senhor Aires

Zé Onofre

O tesouro do senhor Aires

O TESOURO DO SENHOR AIRES.jpg

Quando era criança,

Contava o avô,

Conheci o senhor João,

Um velhinho de bengala,

Cabelo branco

A espreitar sob o chapéu preto.

Aos Domingos,

Sentava-se no banco do adro

À espera da pequenada

Que vinha para a catequese.

 

As crianças iam chegando

Uma a uma,

Outras em grupo,

E faziam roda à sua volta.

Quando estavam todos

Pediam,

Conte-nos uma história

 

A da velha, da cabaça e do lobo?

Não.

A da raposa dos três afilhados,

Iniciei-te, meei-te, acabei-te?

Não.

A da bota das sete léguas?

Já contou.

Qual?

 

Então o avô João

Começou

A verdadeira

História do tesouro do senhor Aires.

 

Aires

Era o rapaz dos sete ofícios.

Pedreiro,

Colmador,

Carpinteiro.

Porém, não era só,

O rapaz dos sete ofícios,

Era também

O rapaz das sete partidas.

 

Tanto estava aqui na aldeia,

Como andava lá por longe,

Sabe-se lá onde,

A fazer o que sabia

E o que inventava saber

E fazia

Como se o tivesse feito

Toda a vida.

 

Voltou na altura

Em que o senhor António da Quinta

Oferecia o tesouro

Que dizia haver

Num dos seus campos.

 

O Aires apressou-se logo

Para o grande achado.

Carrinho de mão,

Pá,

Enxada,

Picareta.

Assim se apresentou

Ao senhor António da Quinta,

Venho buscar o tesouro.

 

O tesouro que aqui há

Não se procura com esse material.

Aparecerá no bico da aiveca

Da pessoa que a manejar

Lá onde se esconde.

Aiveca, tenho eu  

Junta de bois também,

É começar a lavrar

Que o tesouro há de lá estar.

 

Começa por qualquer campo,

Pelo lado que mais jeito te der

E começa a lavrar.

Com o empenho que começou

Em pouco tempo estava tudo lavrado

Do tesouro

Nem recado, nem achado.

 

Ó Aires,

Já que a terra está toda lavrada,

Para não desperdiçar

Um trabalho tão bem feito,

Que me dizes a semear centeio,

Tu, eu e a cachopa?

Nada há a perder,

Para o ano recomeço

Que em algum torrão há de estar

O tesouro que mereço.

 

Ano após ano

Espiolhou a terra com a aiveca.

Assim foi ficando,

Mais tempo do que o apostado

Nas mesas da taberna.

O mais curioso

É que já nem o Aires sabia por que ficava,

Do rapaz dos sete ofícios,

Passou a homem dum ofício só.

Do rapaz das sete partidas,

Passou a homem,

O Aires da Quinta.

 

O tesouro Aires, aparece ou não?

Creio que sim sr. António.

As tulhas estão cheias de grão.

Bem vendidas

Bons cobres renderão.

Nos quintais da casa,

Há batatas, legumes,

Fruta variada

Muita coisa boa para se comer.

Um homem como eu,

Que mais pode querer.

Talvez uma mulher,

Enquanto,

Descaradamente olhava a bela mulher,

Que era agora a filha do senhor António.

 

Tens razão,

Encontraste o tesouro

E, para o completar,

Apenas te falta casar.

Se a rapariga quiser

Como tu já o deste a demonstrar,

Seria para mim grande alegria

Levar-ta ao Altar.

  Zé Onofre