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Notas à margem

Textos escritos em cadernos, em guardanapos, em folhas encontradas ao acaso, sempre a propósito, nunca de propósito. isto é "vou escrever sobre isto". Não é assim que funciono.

Textos escritos em cadernos, em guardanapos, em folhas encontradas ao acaso, sempre a propósito, nunca de propósito. isto é "vou escrever sobre isto". Não é assim que funciono.

Notas à margem

05
Out21

Penafiel 54

Zé Onofre

                 54

 

09/01/978

 

Pediram-me que falasse da vida.

Aqui estou para a dizer

Em palavras duras, cruas,

Que são difíceis de receber.

 

Pediram-me que falasse da vida.

Aqui estou para a dizer

Através de figuras cruas

Do nosso difícil de viver.

 

Aproxima-te

Ó mulher prostituída

Dos verdes anos sem viço.

 

Aproxima-te

Ó velho reformado

Dos bancos do jardim.

 

Aproxima-te

Ó criança trapo

Do bairro de lata.

 

Aproximai-vos e gritai.

Grita,

Mulher prostituída

O teu sexo frio.

 

Grita,

Velho reformado,

Os teus anos gastos

De miséria pura.

 

Grita,

Criança,

A tua fome milenar.

 

Vinde,

Saí da penumbra.

 

Sai,

Mulher prostituída,

Da sombra do teu viver obscuro.

 

Sai,

Velho reformado,

Do banco gasto do jardim público.

 

Sai,

Criança trapo,

Dos farrapos do teu já cansado viver.

 

Pediram-me que falasse da vida.

Aqui estou para a dizer

Em palavras duras, cruas,

Que são difíceis de receber.

 

Pediram-me que falasse da vida.

Aqui estou para a dizer

Através de figuras cruas

Do nosso difícil de viver.

 

Aproxima-te,

Senhora dona Fulana

Dos salões de chá,

Dos bailes de Caridade.

 

Aproxima-te,

Velho ricaço,

Ajoelhado (em cuecas)

Em frente à jovem criada.

 

Aproxima-te

Criança farta, birrenta e aborrecida,

Abonecada pelos caprichos da Mamã.

 

Grita,

Senhora dona Fulana,

A tua inutilidade

Feita caridade em tempos de Natal.

 

Grita,

Velho Ricaço,

O teu moralismo em discursos de altar.

 

Grita,

Criança aborrecidamente farta,

A meninice mimada com a pobreza de outros.

 

Pediram-me que falasse da vida.

Aqui estou para a dizer

Em palavras duras, cruas,

Que são difíceis de receber.

 

Pediram-me que falasse da vida.

Aqui estou para a dizer

Através de figuras cruas

Do nosso difícil de viver.

 

Aproxima-te,

Ó mulher domesticada,

Mãe dos teus filhos.

 

Aproxima-te,

Ó homem libertino,

Corno e corneador dos teus amigos.

 

Aproxima-te,

Ó criança maltratada,

Filha do acaso ou das conveniências.

 

Aproximai-vos e gritai.

 

Grita,

Ó mulher domesticada,

A tua vida roubada.

 

Grita,

Ó homem libertino,

Os teus cornos florescidos.

 

Grita,

Ó criança maltratada,

A tua inocência pura.

 

Pediram-me que falasse da vida.

Aqui estou para a dizer

Em palavras duras, cruas,

Que são difíceis de receber.

 

Pediram-me que falasse da vida.

Aqui estou para a dizer

Através de figuras cruas

Do nosso difícil de viver.

 

 

 

Aproxima-te,

Ó mulher operária,

Construtora e transformadora da vida.

 

Aproxima-te,

Ó homem operário,

Construtor e transformador da vida.

 

Aproxima-te,

Ó criança,

Nascida do amor,

Doado e criado mão na mão.

 

Aproximai-vos e gritai.

 

Grita,

Ó mulher operária,

A tua alegria de viver

De construir e transformar a vida.

 

Grita,

Ó homem operário,

A tua alegria de viver

De construir e transformar a vida.

 

Grita,

Ó criança nascida da alegria,

A felicidade de seres filha do amor.